0.
Grafitado nesse baldio. Morte aos românticos. Pátria ou Morte. Viva Xô Pelada. E outras indecências. E do alto desse baldio, a cidade crescia disforme. Virando metrópole, hipérbole, coisa feia. Mas porque não cantar quão assim te desejo, como se quisesse calar o amor neste tempo? Porque adivinhar o que não se revela e ao resto navegar em busca da lua que resguardas?
1.
Por gáudio ou desgosto das senhorias, o poema anda seu caminho de vida breve e lá solfeja, como quem canta seus males no asfalto. Em si, fanando e doendo deste lado, meu bardo decadente. O poema choca a moral das burguesias. Ele assalta no meio da rua, escandaliza o sol e sodomiza a lua, santa meretriz das noites. Dos açoites, bacanais, orgias e tantas rosas. Sem pedir licenças, quanto mais mesuras, prosas e outras etiquetas. Sem causa nem propósito, pois andar nu, de rei assim de vantagem, é afago natural. Saudar a polpa das frutas e sorrir, pois serenado, às mamas das deusas. Nem gregas, nem troianas, balbuciando seu dorémi & etc…sem rimas.
2.
O poema é aquele que cabe em cada buraco do caminho. Versos em catadupa, a jorra das letras em banho de chuva. A cidade iluminada, simplesmente. Ou quando a lua é nua. De uma nudez só de desejo, assim viscosa. O poema, se medra em pedra, fonema e noutra forma de pão e vinho. De uma ceia como em sagrada mesa. Ou procissão, mas tão profana romaria de viola e sanfona, já no adro. Tudo o que bole nesta quietude é poema – côdeas de tempo, réstias aqui da tarde. O alarde e o sussurro, este quase escuro. Direi ainda o teu corpo e a sua sintaxe, as elípticas sílabas dos teus eixos. O intenso movimento no descaso das frutas. O sopro de tudo e de nada. Até eu neste ocaso…
3.
Como esconder em mim o que se sente? Paz, excitação ou poetaria, esta embriaguês de haver, ora luz e sombra, ora nó da Electra? Cotovia, medo ou bravura, esta ternura? Dançar, de total loucura, se isto fosse uma praça, onde pombos e vagabundos a deambulassem na real fome da poesia. Gritar-te musa na guarita. Olhar-te linda no fontanário liquefeito. Indagar-te apenas, cidade. Porque não te versejar com tanto alarde?
4.
Discorrer sobre as tuas lucubrações. A secção das frutas no supermercado. A gincana boa com os carrinhos do Calú & Angela. Tu és nativista, claridoso ou raio-que-o-parta, mas eu prefiro picanha ou queijo da Serra. Ou tratando-se de fruta, quero os teus lábios. Nem tudo das frutas sabe à melodia, isso sei eu. Nem todas as melopeias desenham encantos com fogueiras e desertos. E dançarinas loucas de sombras. Há toadas ali das maçãs frias, meloas que se evadem das fruteiras. Melaços de tâmaras sem viço. Mangas, mulher, que não eram flores no tempo das águas. Soube dos cajus caídos nas estradas. Do suor dos escravos da cana de Santiago e dos abacaxis perdidos no desejo. Soube, mas nem te conto, das melancias. O vermelho de negras sementes do verde cabo. Dos virgens sucos, como o frémito das ânsias. Lucubrações apenas…
5.
O poema simula uma lágrima. Ou uma gargalhada. Ou ainda uma entrevista televisiva. O poema vem no Telejornal. Mas ele não derrubou o Muro de Berlim, nem as Torres Gémeas. Leu e riu das últimas do cronista local, amigo de Pinochet, o animal que matou Victor Jara. Voltando ao paredon. Ao grafitado do baldio, para ser mais próprio. Suspendo estas notas. Estou farto dos porcos em delírio. Dos quadros em triunfo, sobretudo. E dos neoliberais ao Deus-dará. O poema abomina a pose sem élan. Fica brocha que nem discurso político. Mais luz nessa avenida. Vejo e concordo com que reza o grafitado. Arre, égua. Ali chapado em grande statement…
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