domingo, 4 de março de 2007

Jaime de Figueiredo – esse cometa literário



Ao Francisco Fragoso, com admiração


1.
Conheci Jaime de Figueiredo, nos seus últimos dias. Era amigo do meu pai e, nessa condição, frequentava a nossa casa, na rua do Hospital. Lembro-me que batia à porta com sofreguidão, gritava da rua pelo “Senhor Correia e Silva” e levava sempre uma revista ou um livro na mão. E o meu pai explicava-me que aquele era homem de muitos livros, director da Biblioteca Municipal da Praia e correspondente do poeta José Régio.

2.
Num dia de chuva, pouco depois da morte de Jaime de Figueiredo, apupado por imbecis locais que se diziam revolucionários, a minha mãe me lera uns versos de Régio.

(…)
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
(…)


3.
O cometa literário, que Manuel Lopes chamara de “imaginário”, mas que os dados provam ser real, esboçou a criação de uma revista de letras, desde 1931, na cidade da Praia. Ao grupo conhecido por Atlanta, alinhava-se, além de Jaime de Figueiredo, os escritores Jorge Barbosa, Henrique Torres, e José Lopes. O ideário aproximava-se dos modernistas portugueses, em torno da Revista Presença, fundada em 1927, na qual Jaime de Figueiredo era colaborador e alinhado. Este chegou mesmo a ventilar, nas várias tertúlias realizadas, a criação de uma revista de letras avessa ao artificialismo e ao academismo, então prevalecente em Cabo Verde.

4.
Quem por aí não ia era Jaime de Figueiredo, avesso à mediocridade local, que não poupava nem o Governo da Província, nem a edilidade da capital. Nos anos trinta, ele fundara na cidade da Praia, o hábito das tertúlias. Em 1935, chegou a São Vicente com a proposta de uma nova revista, de nome Atlanta. Para Manuel Lopes, a proposta era uma bandeira sem mastro, desgarrada da realidade. Será? É o que importa investigar. Agora ficou patente que a dissidência de Jaime de Figueiredo não terá sido tanto por causa do nome que quis impor ao grupo dos claridosos. Há questões de fundo que reclamam vir à tona da água. Segundo Jaime de Figueredo, no prefácio da Antologia dos Modernos Poetas Cabo-verdianos, a influência estética do grupo Atlanta, sintonizada com a doutrinação da ‘presença’, veio resultar, mais tarde, na criação do grupo e da fundação da revista Claridade.

5.
Com a realização do Seminário Internacional sobre os Claridosos, certame que se quer marcante, esclarecedor e acima das capelinhas provinciais, será mister pegar nas notas, entrevistar pessoas e reler os livros de e sobre a Claridade. Recentemente, uma polémica não conseguiu ser interessante sobre a problemática, na medida em que ficou pela superficialidade e pelo circunstancialismo, quando a questão de fundo ficou relegada ao silêncio.

6.
(…)
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
(…)




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