segunda-feira, 26 de março de 2007

Com uma capa cinzenta

Não como um rei, mas como um actor,
vestiu uma capa cinzenta em vez das vestes sumptuosas
e ignorado, retirou-se.
Plutarco, Vida de Demétrio




Pura vida

Não sei se escrevo sobre as greves, algumas falhadas, que atravessam o país. Ou se escrevo sobre as tuas impressões de Costa Rica, esse digno país sem exército, onde as pessoas respondem aos cumprimentos com “Pura vida”. Tampouco, se esboço umas linhas sobre a mesa de gala enfarpelada, com o protocolo à altura, pois estava-se a receber Danielle Mitterand, e falava-se da vitoriosa visita do Presidente Pires a Fortaleza. Se respondo a um aprendiz de serviço pela referência negativa, zangado com o Doutor Honoris Causa atribuído ao Presidente pela Universidade Federal do Ceará. Ou se apenas digo que é bom saber de ti – os queijos, os vinhos & os chocolates de sempre – e os anos desta existência. Escrevo, sem vestes sumptuosas. Escrevo tão-somente…

Imprensa em debate

Acompanho, pela Rádio de Cabo Verde, o debate sobre a comunicação social em Cabo Verde. Ouço uns e outros. Em verdade, há acertos e ajustes a fazer no campo mediático. Há aspectos a conseguir, como a qualidade dos serviços públicos da imprensa. Igualmente, a regulação para mediar e fiscalizar a qualidade de toda a imprensa, tanto pública como privada. Não falo do Conselho da Comunicação Social, mas de uma agência reguladora mais eficaz e mais apartada dos partidos políticos. Mas, a par disso, a liberdade de imprensa consagrou-se em Cabo Verde, depois de anos de condicionamento e tormenta, durante o monopartidarismo e a primeira fase da democracia, então exacerbada. Sou amigo e confrade de Jorge Soares, fundador e primeiro director do Jornal A Semana, tendo acompanhado a perseguição politica sofrida e o processo que levou ao seu asilo político nos Estados Unidos. Vários jornalistas foram processados e intimidados, outrora. Que o digam José Vicente Lopes e José Leite, entre vários outros. Longe vai o tempo de dezenas de jornalistas nas barras do Tribunal. Basta de falsa realidade. Basta de má-fé. Interessa sim, o passado e o antecedente, embora não defenda a justiça retroactiva. Queremos uma imprensa melhor, ciente de que a actual situação já é um incremento diante do que fora nos últimos anos. Queremos ouvir os profissionais do sector e não apenas os funcionários da política. Por uma comunicação social cada vez mais livre, mais crítica e plural. Em prol da cidadania…


Para que serve a crónica

O meu leitorado há de perguntar para que serve a crónica. Sem muita certeza, direi que talvez sirva para atestar que nunca me curvei diante dos deuses pés descalços, nem dos palanqueiros de serviço. Queria ter alguma isenção, mas não padeço de neutralidade. Daí não ser indiferente aos ataques que me fazem. Et pour cause, esse aspirante a intelectual, merece pena e complacência. Há distúrbios herdados, pelos quais não temos culpa, ficando Freud para os explicar. Agora certo analfabetismo, não se compreende, nem se desculpa…

Com uma capa de cinza

Enquanto o Jornal Horizonte existir, este cronista estará no convívio do seu leitorado. E quando chegar o derradeiro dia, ele ficará apenas no ninho do seu Blog – www.albatrozberdiano.blogspot.com, para os ainda desavisados. Não como um rei, mas como um actor, importa descer da ribalta. O certo é que o cronista sai da cena, com a morte anunciada deste Jornal. Nenhum drama, apenas a mudança de vestes, como o Rei Demétrio, no dizer de Plutarco.



quinta-feira, 22 de março de 2007

A mando de O Padrinho


Clara idade

Na tertúlia instalada sobre a realização do Simpósio Internacional da Geração Claridosa, parece-me correcta a posição defendida pelo artista Abrãao Vicente. E a razão é simples: a tese da modernidade exclui determinações localistas e regionalistas do fenômeno literário, para apresentá-las como produtos da pura evolução estética universal, mesmo em face do lócus local e regional. Efectivamente, temos de evoluir sobre a visão provinciana e redonda, aprendida pela rama. Renegar assaz simplificação implicaria descer ao plano da experiência estética, que tem que ser entendida como prática social e histórica mais alargada, e não como uma luminária surpreendente e out-of-the-blue, de alguns gênios isolados. A Claridade, pela profundidade nacional que teve e pelo alcance universal que lateja, dispensa que lhe defendam de forma sectária e excludente. Clara idade precisa-se. Façamos pois, no próximo ano, o Simpósio, em Fortaleza. E, se der, na ilha do Maio ou em Macau.

Ideal Clube

Almoço no Ideal Clube, com o Presidente Pedro Pires. Mais três títulos honorifícos. O de Membro da Academia Cearense de Letras, a mais antiga do Brasil, do Clube do Bode e do Ideal Clube. Os melhores intelectuais do Ceará reúnem-se para prestigiar Pires. Quando Casimiro de Pina, vulgo Peninha Mon Petit, disso souber...

Se a insensatez fosse colírio

Mesmo discordando de certo colibri, eu tenho lido as suas crónicas e as suas visitações, quase sempre ligeiras e brejeiras, pelos grandes teóricos da liberdade e da ética. Agora, levianas e desprovidas de senso, inclusive o crítico, serve a barriga de aluguer à maçonaria bem visível. A mando de O Padrinho, logo se vê...

domingo, 18 de março de 2007

Quando se nos escapa o planeta Vénus



Crónica de uma morte anunciada

Já o tinha anunciado. O Jornal Horizonte vai ser desmantelado. O vazio mediático, se não for preenchido, será mesmo perverso. Vamos ficar mais pobres, ainda que o Jornal, como todos os outros no mercado, pudesse ser mais atraente e apetecível. Não se sabe ao certo se há planos para criar algo novo. Oxalá haja, em prol dos estados gerais da imprensa. Faltará ao Estado solução mais criativa do que uma simples crónica de uma morte anunciada. Talvez para agradar a gregos e troianos, mas no descuido da vasta maioria dos leitores, este golpe de misericórdia. Eu já não tenho idade para representar diante de quem quer que seja. Quanta irresponsabilidade, minha gente…


Quando se nos escapa o planeta Vénus

Estou na Biblioteca Publica de Fortaleza, a pesquisar sobre os poetas nordestinos que, de forma incisiva, influenciaram os modernistas cabo-verdianos, mas dou de caras com esses poetas pós modernos e, investigador bissexto, relego para outra hora o desafio da minha claridade. A biblioteca (e também nisso tem razão Jorge Luís Borges) é uma torre de babel, um labirinto onde se perde das coisas pré concebidas. Fica-se tonto de tanto buscar saídas. Quando a saída é aprender a conviver com a condição de labirinto, que é a própria condição borgiana da biblioteca.

Dias de escola

Vem o Carlos Hamelberg a Fortaleza e falamos dos idos tempos do liceu. Para mim, o pior dia de escola era aquele em que a professora, com o olhar de águia-real, clamava no sumário “Revisão do Caderno Diário e da Matéria Dada. Chamadas”. Primeiro, o meu caderno estava cheio de desenhos (ilhas, barcos, aviões, mulheres nuas). Para ela, não podíamos ter mais do que apontamentos e trabalhos de casa nos cadernos, cujas folhas numeradas sofriam dela periódicas inspecções. Segundo, eu odiava o vexame de ir ao quadro, tendo inventado a desculpa pouco convincente de alergia ao giz. Isso, para não vos contar que as ditas Chamadas eram sessões pidescas, feitas para nos fazer humildes diante das colegas da sala. Talvez por isso eu tenha adquirido esta inimizade ao saber provisório e absolutista, bem como do adventício dos nossos pequenos deuses.


Vénus que se esvai

E, como nos conta o poeta cearense Ruy Vasconcelos, “Toda biblioteca é em espiral. Não vemos isto porque a óptica ilude. E somos míopes em graus diversos. E, então, essa espiralidade das bibliotecas nos escapa como nos escapa o planeta Vénus quando o sol surge.”

Ainda sobre a crónica verruguenta

Mais dois emails, do mesmo incontinente da semana passada. Fazer o quê, companheiro? Falai do mau, apontai o pau. Em verdade, queria apenas ver o planeta Vénus e dizer que vou até a morte deste jornal, que alguns abutres já festejam, lembrados da fome e esquecidos da ética. Por mim, tudo não passa de uma imensa gargalhada e sei que V.Excia não é o rei do bom humor. Eu, com humildade, bebo no cântaro de alguns mestres – Luís Loff de Vasconcelos, Pedro Cardoso e Jaime de Figueiredo. Convenhamos, meu caro deputado, que não tenho imunidade (nem impunidade), como afirma, mas sou livre da silva, que nem um albatroz. É a graça de não ter obrigação com o eleitorado, mas apenas este encontro acidental (e quando der) com o meu valioso leitorado…

Poesia tão-somente


Li, em primeira-mão, os teus versos e gostei das metáforas ali contidas. Naturalmente que os melhores poemas estão cá dentro. E também são labirínticos, como toda a Arte, dentro de nós. Nenhuma aparente serventia. Nenhuma bula ou receita médica – pois poesia não seria oráculo para salvar o mundo. Nenhuma serventia, a não ser a loucura para enfrentarmos este excesso de realidade. Já levavas poesia bem antes desses versos. Há poetas que nunca escreveram uma linha, mas pressentiram o labirinto da vida. E da morte…

quinta-feira, 15 de março de 2007

Procelária

É vista quando há vento e grande vaga
Ela faz o ninho no rolar da fúria
E voa firme e certa como bala

As suas asas empresta
à tempestade
Quando os leões do mar rugem nas grutas
Sobre os abismos passa e vai em frente

Ela não busca a rocha o cabo o cais
Mas faz da insegurança a sua força
E do risco de morrer seu alimento

Por isso me parece imagem justa
Para quem vive e canta no mau tempo.


Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 12 de março de 2007

A trans-política




A trans-política de Jean Baudrillard

Ó, gente boa, uma trégua para escrever sobre este homem imprescindível. A morte de Jean Baudrillard, brilhante filósofo contemporâneo, não poderá passar em branco entre nós. Afinal, nem só de bizantinices, greves e riolas bairristas vivemos. Baudrillard, por exemplo, viveu numa sociedade onde o caos fora a melhor estratégia para desmontar o sistema de banalidades. Era preciso desconstruir o simulacro e a engrenagem. Fazer outra viagem – a da trans-política –, em que o pensamento e a Arte ganham, sem adjectivações, o substantivo do Ser.

Bocas

Um deputado, conhecido pelas suas bocas nos cafés da cidade, não gostou da minha escrita sobre o debate parlamentar. Ele acha que os deputados tiveram inteligência, elegância e boas maneiras durante a discussão sobre a corrupção. Não se pretendeu fazer tábua rasa, até porque, nas duas bancadas, há deputados de fina estampa, merecedores da confiança e do salário que recebem. Mas há outros que confundem imunidade com impunidade e alhos com bugalhos. A infra-política. Pobres de espírito e de verbo, ali a beber metros cúbicos de água mineral. Estes, meu caro, são os escabrosos que vamos aturando, mas não silenciosamente. É que aturar também custa…

A economia da droga

Nos dias que se seguiram ao assassinato das italianas – uma execução que nada teve de passional, como pretendiam os pacóvios da aldeia -, não faltaram vozes a exigir a requalificação do turismo. Uma reflexão sobre os impactos desse turismo para a nossa sociedade. O dinheiro tem os seus custos e ele só vale a pena se os lucros também forem sociais e culturais. O assunto terá sido relegado ao segredo da justiça ou à justiça do segredo? E a questão nem é estritamente policial. Precisamos superar a falsa premissa de que a polícia seja o fiel da balança. O equívoco de se interpretar polícia e segurança como sinónimos. Para além do tão urgente quão necessário investimento nos valores sociais e familiares, do civismo e do convívio, importa identificar e desmantelar a “economia da droga” que insistimos em não reconhecer (nós, a sociedade). Uma engrenagem poderosa e insidiosa que já sustenta muita gente na nossa “terra estimada”. Pode?

Feira Internacional da Música


O Mário Lúcio, à frente de uma equipa de boa vontade, organiza a Feira Internacional da Música, em Cabo Verde. O projecto é grandioso, e consistente. Trans-político. Vamos apoiá-lo. São iniciativas do tipo que ressignificam o turismo e clamam por outros investimentos. Se a Cultura é o nosso diamante, há que criar condições de o lapidificar e de o intercambiar. Mário Lúcio entendeu, como poucos, que a melhor forma de proteger e promover a Cultura de Cabo Verde é a abertura para o Mundo. Quanto mais escancaradas as fronteiras, mais as singularidades do local se expressam. Foi assim com o Fesquintal de Jazz, lembram-se? É o se que propõe com esta Feira Internacional. Além de suscitar a instalação, algures, de uma indústria da música. Palmas para o Tchilo…

sexta-feira, 9 de março de 2007

Mulher


Navegações VI


Paulo Okamoto
Presidente do SEBRAE


Rembrandt

Mal chego à Universidade, dou de caras com a exposição “Rembrandt e a arte da gravura”, no Espaço Cultural Unifor. A colecção (de 90 elementos, conforme o catálogo) acaba de chegar directamente da Holanda. Mais uma actividade da Vice-Reitoria da Extensão e Comunidade Universitária. A anterior fora ´Mirabolante Miró!´, algo que, pela sua qualidade, mereceu a atenção deste Blog. Passo parte desta manhã a aprender sobre Rembrandt, o génio…

XI Encontro Internacional de Negócios do Nordeste

Participei, com um grupo de empresários vindos de Cabo Verde, no XI Encontro Internacional de Negócios do Nordeste. Os 244 expositores do Nordeste ofereceram, durante estes dois dias, confecção, alimentos, artesanato, calçados, entre outros itens, aos 76 compradores inscritos, dos quais 14 brasileiros e 62 estrangeiros, de 19 países. O Encontro apresenta-se como um caminho para as pequenas e microempresas chegarem ao mercado externo, sobretudo africano. A expectativa do Sebrae, organismo que educa e orienta as pequenas e médias empresas nas três grandes etapas da realização dos negócios (capacitação, crédito e comercialização), é concretizar 40 milhões de dólares em vendas durante os dois dias do XI Encontro Internacional de Negócios do Nordeste, um crescimento de 48,14% em relação ao de 2006.

Cabo Verde X Ceará

No ano passado, os micros e pequenos empresários do Ceará venderam 5,6 milhões de dólares aos cabo-verdianos. E vale a pena ver a curva ascendente. As vendas pularam de 139 mil dólares (2002) para 4,8 milhões de dólares (2005). Em 2007, apesar das tarifas aéreas elevadas e da desvalorização do dólar, o negócio tende a aumentar. Tempo de se questionar, numa atitude descomplexada e pró negócio, o que o Ceará poderá absorver de Cabo Verde, criando um fluxo de duas vias. O próprio presidente do Sebrae, Paulo Okamoto, uma das figuras mais poderosas do Brasil, assentiu perante uma delegação cabo-verdiana, com a presença do Administrador da CV Investimentos, Manuel Pereira Silva, e do empresário Paulo Lima, da Câmara do Comércio, Industria e Serviços de Sotavento, que a sustentabilidade da relação Ceará X Cabo Verde terá de passar pelo real intercâmbio de vendas. Cabo Verde tornou-se um bom mercado para exportadores cearenses, sobretudo os de menor porte, e estes, chegando a uma fase de parcerias, precisam de redimensionar o circuito. Temos de começar a imaginar e a inovar. As engenharias são sempre possíveis…

Zé Maria

Acompanhei, pela Internet, o colectivo de imprensa organizado pela RCV, com o Primeiro-Ministro, José Maria Neves. Este é de facto o grande capital do PAICV. Excelente administrador público, ele precisaria apenas de uma atitude mais acelerada em favor das pequenas empresas e da real capacitação do sector privado (desburocratização, crédito, empreendedorismo). O País, para crescer a dois dígitos e reduzir o desemprego a um dígito, tem de, primeiro, criar riquezas, e, acto continuo, sublimar as réstias da mediocridade ainda visíveis no paroxismo – mas que ironia – de uma certa oposição. Essa tentativa de buscar sucedâneo ao Caso Enacol não cola. Há coisas que têm a cara do próprio dono…

domingo, 4 de março de 2007

Eu sou da nação de Orlando Pantera...e você?


Jaime de Figueiredo – esse cometa literário



Ao Francisco Fragoso, com admiração


1.
Conheci Jaime de Figueiredo, nos seus últimos dias. Era amigo do meu pai e, nessa condição, frequentava a nossa casa, na rua do Hospital. Lembro-me que batia à porta com sofreguidão, gritava da rua pelo “Senhor Correia e Silva” e levava sempre uma revista ou um livro na mão. E o meu pai explicava-me que aquele era homem de muitos livros, director da Biblioteca Municipal da Praia e correspondente do poeta José Régio.

2.
Num dia de chuva, pouco depois da morte de Jaime de Figueiredo, apupado por imbecis locais que se diziam revolucionários, a minha mãe me lera uns versos de Régio.

(…)
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
(…)


3.
O cometa literário, que Manuel Lopes chamara de “imaginário”, mas que os dados provam ser real, esboçou a criação de uma revista de letras, desde 1931, na cidade da Praia. Ao grupo conhecido por Atlanta, alinhava-se, além de Jaime de Figueiredo, os escritores Jorge Barbosa, Henrique Torres, e José Lopes. O ideário aproximava-se dos modernistas portugueses, em torno da Revista Presença, fundada em 1927, na qual Jaime de Figueiredo era colaborador e alinhado. Este chegou mesmo a ventilar, nas várias tertúlias realizadas, a criação de uma revista de letras avessa ao artificialismo e ao academismo, então prevalecente em Cabo Verde.

4.
Quem por aí não ia era Jaime de Figueiredo, avesso à mediocridade local, que não poupava nem o Governo da Província, nem a edilidade da capital. Nos anos trinta, ele fundara na cidade da Praia, o hábito das tertúlias. Em 1935, chegou a São Vicente com a proposta de uma nova revista, de nome Atlanta. Para Manuel Lopes, a proposta era uma bandeira sem mastro, desgarrada da realidade. Será? É o que importa investigar. Agora ficou patente que a dissidência de Jaime de Figueiredo não terá sido tanto por causa do nome que quis impor ao grupo dos claridosos. Há questões de fundo que reclamam vir à tona da água. Segundo Jaime de Figueredo, no prefácio da Antologia dos Modernos Poetas Cabo-verdianos, a influência estética do grupo Atlanta, sintonizada com a doutrinação da ‘presença’, veio resultar, mais tarde, na criação do grupo e da fundação da revista Claridade.

5.
Com a realização do Seminário Internacional sobre os Claridosos, certame que se quer marcante, esclarecedor e acima das capelinhas provinciais, será mister pegar nas notas, entrevistar pessoas e reler os livros de e sobre a Claridade. Recentemente, uma polémica não conseguiu ser interessante sobre a problemática, na medida em que ficou pela superficialidade e pelo circunstancialismo, quando a questão de fundo ficou relegada ao silêncio.

6.
(…)
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
(…)




Tributo a Paulo Freyre




sábado, 3 de março de 2007

Para lamentar



Que os deputados da oposição queiram questionar e mesmo denunciar o que vai mal na administração, acho bom, higiénico e saudável. Os deputados da situação, em vez de jogarem à defesa, devem ir ao ataque também, criticando o que não está conforme. Afinal, a administração é um corpo institucionalmente próprio e tanto a governação, como a oposição, têm de lhe prestar cuidados especiais. Outrora, agora e sempre. Que não haja veleidade de não acharem coisas escusas e obscuras, meus ilustres. Isso, nem na Finlândia e na Noruega, onde a cultura pública se sublima. Ou mesmo na Singapura, onde há chicotadas e penas de morte na praça. Ou ainda naquele califado, onde o comensal está reservado ao califa e o resto a embriagar-se nas Mil e Uma Noites. Em Cabo Verde, Portugal, América e resto do mundo, é o que se sabe. Basta acompanhar a imprensa, meus ilustres. Mas o debate parlamentar precisava de mais fineza e pedagogia. Provas a dar credibilidade às suspeitas. Sem complacências, entretanto. Toda a administração, por mais moderna e reformada que esteja, tem os seus mandos e desmandos. A proximidade dos amigalhaços, as dívidas e os défices, a contabilidade a meter água, as derrapagens e os desvios. Há contas dos anos noventa por fechar, imaginem. Houve até aquele descaramento da classe empresarial próxima ao partido, coisa brava. Isso, para não falarmos do faroeste da gestão pública e das privatizações danosas numas ilhas, ditas hesperitanas. Tudo isso existe na administração, com mais ou menos requinte. O que diferencia é a governação em sentido amplo (para lá do Governo), o arquétipo político da coisa. A engrenagem do controle e da transparência. O Tribunal de Contas a fazer as contas e a exercer autoridade judicial. A Procuradoria a dar provimento e execução. O Parlamento a questionar e a inquirir. O Governo a nortear, a despachar e a auditar. E a cultura da coisa pública, com rigor e intransigência. A ética weberiana sobre a res publica, com o cidadão consciente (e sem medo) do seu papel. Agora o que está também mal, mesmo mal, malíssimo da silva, é a forma como os nossos parlamentares cortam as mãos, tendo a faca e o queijo. Não é que se queira um Parlamento cheio de mesuras, ademanes e salamaleques, mas assim, de faca amolada, não dá. Aqui, os mortais e contribuintes, queríamos que isso não fosse tanto o feudo dos imunes e dos impunes da democracia, a destilarem maus fígados e más palavras. E quem haverá de julgar os juízes? E os nossos impostos, carago? Está até escrito que tem de ser doutra maneira, meus ilustres. Um pouco mais, uma coisinha de nada, de fineza e pedagogia, que o pessoal agradece…

quinta-feira, 1 de março de 2007

Notas soltas



0.

Grafitado nesse baldio. Morte aos românticos. Pátria ou Morte. Viva Xô Pelada. E outras indecências. E do alto desse baldio, a cidade crescia disforme. Virando metrópole, hipérbole, coisa feia. Mas porque não cantar quão assim te desejo, como se quisesse calar o amor neste tempo? Porque adivinhar o que não se revela e ao resto navegar em busca da lua que resguardas?

1.

Por gáudio ou desgosto das senhorias, o poema anda seu caminho de vida breve e lá solfeja, como quem canta seus males no asfalto. Em si, fanando e doendo deste lado, meu bardo decadente. O poema choca a moral das burguesias. Ele assalta no meio da rua, escandaliza o sol e sodomiza a lua, santa meretriz das noites. Dos açoites, bacanais, orgias e tantas rosas. Sem pedir licenças, quanto mais mesuras, prosas e outras etiquetas. Sem causa nem propósito, pois andar nu, de rei assim de vantagem, é afago natural. Saudar a polpa das frutas e sorrir, pois serenado, às mamas das deusas. Nem gregas, nem troianas, balbuciando seu dorémi & etc…sem rimas.

2.

O poema é aquele que cabe em cada buraco do caminho. Versos em catadupa, a jorra das letras em banho de chuva. A cidade iluminada, simplesmente. Ou quando a lua é nua. De uma nudez só de desejo, assim viscosa. O poema, se medra em pedra, fonema e noutra forma de pão e vinho. De uma ceia como em sagrada mesa. Ou procissão, mas tão profana romaria de viola e sanfona, já no adro. Tudo o que bole nesta quietude é poema – côdeas de tempo, réstias aqui da tarde. O alarde e o sussurro, este quase escuro. Direi ainda o teu corpo e a sua sintaxe, as elípticas sílabas dos teus eixos. O intenso movimento no descaso das frutas. O sopro de tudo e de nada. Até eu neste ocaso…

3.

Como esconder em mim o que se sente? Paz, excitação ou poetaria, esta embriaguês de haver, ora luz e sombra, ora nó da Electra? Cotovia, medo ou bravura, esta ternura? Dançar, de total loucura, se isto fosse uma praça, onde pombos e vagabundos a deambulassem na real fome da poesia. Gritar-te musa na guarita. Olhar-te linda no fontanário liquefeito. Indagar-te apenas, cidade. Porque não te versejar com tanto alarde?

4.

Discorrer sobre as tuas lucubrações. A secção das frutas no supermercado. A gincana boa com os carrinhos do Calú & Angela. Tu és nativista, claridoso ou raio-que-o-parta, mas eu prefiro picanha ou queijo da Serra. Ou tratando-se de fruta, quero os teus lábios. Nem tudo das frutas sabe à melodia, isso sei eu. Nem todas as melopeias desenham encantos com fogueiras e desertos. E dançarinas loucas de sombras. Há toadas ali das maçãs frias, meloas que se evadem das fruteiras. Melaços de tâmaras sem viço. Mangas, mulher, que não eram flores no tempo das águas. Soube dos cajus caídos nas estradas. Do suor dos escravos da cana de Santiago e dos abacaxis perdidos no desejo. Soube, mas nem te conto, das melancias. O vermelho de negras sementes do verde cabo. Dos virgens sucos, como o frémito das ânsias. Lucubrações apenas…
5.

O poema simula uma lágrima. Ou uma gargalhada. Ou ainda uma entrevista televisiva. O poema vem no Telejornal. Mas ele não derrubou o Muro de Berlim, nem as Torres Gémeas. Leu e riu das últimas do cronista local, amigo de Pinochet, o animal que matou Victor Jara. Voltando ao paredon. Ao grafitado do baldio, para ser mais próprio. Suspendo estas notas. Estou farto dos porcos em delírio. Dos quadros em triunfo, sobretudo. E dos neoliberais ao Deus-dará. O poema abomina a pose sem élan. Fica brocha que nem discurso político. Mais luz nessa avenida. Vejo e concordo com que reza o grafitado. Arre, égua. Ali chapado em grande statement