O dó das estrelas
Cansado de uma ronda de reuniões, queria lidar a esta hora com a poesia, as artes, coisas realmente mais sublimes e mais sintonizadas com a alma. Para alguns, este frenesim é excitante e, por isso, adrenalina pura. Para mim, o cargo tem a ver com o encargo. A pesada canga da responsabilidade, condicionada ao odor bafiento dos gabinetes. Queria, se me permites, ouvir agora As Quatro Estações, de Vivaldi (Primavera, sobretudo) e, de olhos cerrados, visualizar o Roger Williams Park com os seus cisnes a deslizar na água. Hás de perguntar o que se passa comigo. Às vezes, quero perceber os versos de Fernando Pessoa: tenho dó das estrelas, luzindo há tanto tempo. Outras vezes, vou à Ponta Temerosa, que é o extremo desta minha cidade, e olho, com neurastenia, para o vasto e azulado vão. É que cansa, cansa mesmo, não poder contemplar o mundo. Há dias, em São Vicente, passei horas esquecidas com o Vasco Martins e o Tchalé Figueira, dilectos amigos, na grandeza silenciosa do Monte Verde. Silenciosa vírgula, pois, vez por outra, a beleza do mundo era invadida pelo grasnar de um corvo ou pelo piar de um falcão. Tão bom ouvir, ante o grande silêncio que a montanha exala, o ciciar dos bichos no nosso cansaço! Dirás que é meu karma. Ou simples questão de mantra este meu lado espiritual que atenta à perfeita sintonia e à curiosa clave entre o cantar de galo e as peixeiras madrugadoras a pregoar “cavala fresta”. Sim, fiquemos por esses nadas que – fumo violeta deste incenso –, vagam o meu pensamento para o além. E, antes que tarde mais no meu coração, te suplico que sejas poesia …
A surfar pelos blogs
Roubo tempo à burocracia, arre, e navego um bocado pelos blogs. Ultimamente, andamos todos bissextos nesta praça. Leio algo sobre o Tcheka Andrade, outro que admiro, e me sinto apaziguado. Se isto tudo fosse padrão Mayra & Tcheka! Temos de pensar no grande salto de qualidade para a nossa Cultura. O by-pass para a excelência não se compadece com algum assistencialismo artístico, um tanto ao quanto difícil de se desacelerar. Tão pouco significa marcar passo no tosco, quando o segredo é o bom acabamento e a apresentação de marca. E muito menos ficarmos a repisar o já visto, numa hora de inovação e competição. Obviamente, mais alma, como diria o matricial Orlando Pantera. Mas falava dos blogs e, desta feita, vou deixar algumas opiniões. Modestíssimas e exclusivas opiniões, diga-se. Posições nada a ver, mas ditas ao sabor do tempo, que a crónica, ela sim, tem a ver com o cronos e o resto é história. A propósito, com respeito às susceptibilidades e trocadilhos rascas, as "Alegrias" trazidas para esta "Praça" foram-nos impostas pelo monstro da incompetência, que a todos domina. Se para o mau entendedor, meia palavra besta; para aquele que vê alguma graça na desgraça, este vaticínio de que humor é um acto de inteligência. Ou seja, tem de ser cultivado, ora…
The Big Easy
Não posso pensar em Nova Orleães sem ouvir, remotamente, a música de Sidney Bechet. La vie en rose, executado em clarinete. Uma vez, em pleno Carnaval da cidade – The Big Easy, diz-se –, alguém tocara essa música, que é um pouco a minha infância, e eu não posso deixar de ligar uma coisa com outra. Depois, vejo-te a comer, com tanta gana, o Cajun Combination (jambalaya, gumbo, ostras, you may name it…), nesse restaurante da Bourbon St. E a fazeres fila, por umas horinhas de blues e zydeco, na House of Blues. O que será feita da House of Blues, na Decatur St? Pois é, estou triste. Triste, triste, triste, como no poema de Valentinous Velhinho. Acompanhei, com consternação, os estragos que o Furacão Katrina fez à cidade de Nova Orleães. Gente morta, desalojada, desesperada. Os diques e as comportas já não resultam. O saque saiu à ordem do dia. E a pobreza, muitas vezes escondida pelas imagens fabricadas, grita alto para todo o mundo ouvir. A cidade histórica ficou submersa. Um grande património mundial em perigo. A crioulidade ficou ferida. Entrementes, as antenas internacionais dizem que o preço do barril de petróleo fechou terça-feira nos 70,45 dólares no mercado de Nova Iorque, mercê da quebra na produção de 1,4 milhões de barris de petróleo. La vie en rose, é melodia que não sai do meu pensamento. Antes que tarde mais, vem em poesia…
Li na lém di Mulato
Tempo apenas para repisar: o Aeroporto Internacional da Praia é para ontem. O Platô Digital é projecto que merece o nosso aplauso. A circular é obra com letras maiúsculas. A pavimentação do Platô – de asfalto ou de pedra, ou, mesmo, o misto destes dois elementos –, já tarda. A capital enlameada, sitiada de chuva, é feia e dá para esquecer. Di-lo, com propriedade, José António dos Reis. Vamos todos, ciosos dos nossos republicanos direitos, ficar atentos. Construtivamente, diga-se. Já dizia Nho Naxu: ka nu sunha kordadu, pa nu ka durmi na forma…
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