quarta-feira, 17 de agosto de 2005

Monumenta

Monumenta

O Memorial à Fome e às Vítimas da Tragédia da Assistência, a ser construído na rotunda de São Januário, orla marítima da cidade da Praia, é um monumento que fazia falta a Cabo Verde. A Fome (com letra bem maiúscula) é algo que deve ser sublimado e exorcizado, não a através do esquecimento, mas pela via da memória. Tal como os judeus fazem com o Holocausto. E os africanos (e sua diáspora) pretendem fazer com a Escravatura. Um obelisco, em tríade multidimensional, dirá sempre aos cabo-verdianos de que a tragédia pode ser a alavanca de um grande futuro. Vimo-lo há dias nas cerimónias do 60º aniversário da bomba atómica (inédita selvajaria humana, diga-se de passagem) sobre Hiroshima. Haveremos de correr a marginal e problematizar a Fome como um recurso para o futuro. Esta também é uma grande contribuição do 30º aniversário da Independência Nacional…

Nós e a cidade

Deixa andar, que a cidade não há de notar a nossa ausência. Tudo corre, como tem mesmo de correr, sem nós. Ou apesar de nós. E, se somos importantes – ainda que a enorme cloaca urbana isso desconheça –, somo-lo no remanso de que uma simples borboleta também o seja. Deixa andar e canta-me nesta caminhada aquela quadra já liberta das palavras. Ser cronista é ser deste tempo testemunha e deste lugar narrador da acta. O que sobra é ledo engano e o sol, por mais que os deuses pequenos esbracejem, nascerá sempre no mesmo lugar. Não te preocupes se A, B ou C, veja nestas linhas um puro cantar de galo. Em democracia, cada um tem direito a seu delírio e, se não está constitucionalizado, chamam ao intelectocrata para que introduza mais este disparate. Quanto à estética, bem isso exige cuidado adicional. A Poesis não surge por acaso. Mas, deixa andar… a cidade não há de notar a nossa ausência.

Do grande Pranchinha

Arguto e desperto, parecendo sempre de vigília, ei-lo o grande Pranchinha que a canalha julga de somenos importância. Mas haverá gente tão essencial quão nossa própria sombra? Aquela assaz interior que, perdidos no labirinto da vida, nos apresenta o fio de Ariadne? Claro está que a personagem estará pintada de fresco. Uma primeira demão para animar a malta, pois sob a resina da comédia inventaram gregos antigos a tragédia. Dizia, é o Pranchinha sempre atento que dá prumo às minhas vertigens e, quando me sente D. Quixote, se arma comigo em Sancho Pança. Por isso, vossas senhorias perdoem-me este à parte, mas falar deste meu alter-ego, como do vosso uso dizer, é condição sine qua non…

Promessa

Jamais deixarei morrer cá dentro o viés que transforma esta amargura em poesia. O grito que me teima, mas que tu guardas no instante dos sentidos, saberá sempre em mim como um sopro de vida. E, se não vou à noite como quem vai à maresia, começarás tu a dissipar a neblina no horizonte dos caminhos por andar. É-nos pouco o tempo, mas naveguemos numa alegria sem demora. Diante do mundo, algo mais do que esta enseada de águas mansas, não quererá a eternidade ser parte do abalo ou do desvario. Simplicidade apenas, de remanso com que as horas são batidas monocórdicas no relógio. E todos os fados são universos de cada transeunte.

Mas poeta és tu

Não te posso dizer que nesta estação somos felizes. Nem que, ao espectáculo do mundo, temos razões para aplaudir. A cada dia, nessa idade de Cristo em que tu andas, fazes melopeia à vileza do quotidiano. Poeta és tu e o resto é treta. A palavra disposta em fila, rima e métrica. Verso saído do quadrado aceite pela praça. Metáforas de acordo com a Constituição. Ingénuo quem pense com o verbo tão-somente sanear a alfurja dessa gente. A mediocridade que se obstina, querendo seja esta uma hora minguada, demanda aqui ingente luta e o poeta, de solilóquio como estás apanhada, nada pode contra a língua vesícula de peçonha, que era como o grande Eugénio Tavares retratava os burocratas. Poeta és tu que não abres mão à beleza de um sol a pôr-se…

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