segunda-feira, 29 de outubro de 2007
III Chuva de Poesias de Fortaleza
Vazavam dos céus catadupas em metáforas, frutas serenadas e canções desesperadas. Estrelas azuis, sintaxes de chuva, pão & fonema. Bocados de Eva Luna. Soltas folhas, com Cervantes. Quixotes que assaltam nossos moinhos secretos. Quem procurasse um só poema pelo chão da Praça do Ferreira, à hora do crepúsculo, não o encontraria ali. Fortaleza, Fortaleza, a Bela. Os meus parabéns a Natalício Barroso, meu confrade, homem maiúsculo…
quarta-feira, 24 de outubro de 2007
Crioula na Estação
(...)
Ó rola morena, Crioula!
Escuta, tem pena de quem
Te invoca, te canta e te quer,
Estrela, flor, anjo, mulher,
Crioula, meu amor, meu bem!
(...)
Pedro Cardoso. CRIOULA
Há um dizer de ti, minha sereia,
Disto ser flor ou pedra murcha,
Concha prenha, esteio do mar
O que derramas, mas resguardas...
Esse mistério, meio glace, areia
Ou pedaço de vento, o confeito
De pão e de café, bago de fruta
No rótulo dessa vasta várzea...
Espumas à soleira das portas,
O adensado cheiro da Calheta
As rédeas silenciosas das horas...
Tudo isso és tu, na estação,
Quando os trens da tarde,
Já são tua cicatriz em mim...
Filinto Elísio
terça-feira, 23 de outubro de 2007
Teoremas e axiomas
Teoremas e axiomas
Li, por estes dias, alguns artigos sobre a situação da justiça escritos pelos advogados Amadeu Oliveira, Rui Araujo e Vieira Lopes. Li também algum contraditório em certa imprensa. Sem entrar no âmago da questão, o que mais me preocupou das denúncias que fazem e das suas contra-argumentações é a apatia geral da opinião pública. Em verdade, estamos fartos dos discursos politicamente correctos sobre o estado da justiça. Não é só a morosidade, a não progressão das carreiras e o calote dos profissionais à Ordem, aspectos que pairam na espuma dos dias. Nem é só o aparato ainda do não Tribunal Constitucional , nem Provedor da Justiça, questões ora na calha política. O que também tira sono é o teorema do "Mercador de Veneza", de Shakespeare, onde o réu seria o único inocente, e o prevalecente axioma de "O Processo", de Kafka, em que o arguido é arrastado por uma máquina absurda. Os tais fundamentais da justiça. E o cidadão acaso a não descobrir o ancestral mistério de quem julgaria os juízes...
O silêncio dos inocentes
Confesso não aprovar, nem condenar, de pronto, quando as vítimas respondem desproporcionadamente à violência doméstica. Diariamente a nossa televisão mostra mulheres ameaçadas, espancadas e violadas por homens sem escrúpulos. Na maioria desses casos, os agressores ficam à solta, impunemente a partilharem o ar connosco, como se a barbárie e o crime fossem a coisa mais natural do mundo. Essa corja de covardes que, conta com uma polícia ainda permissiva e com uma justiça ainda burocratizada, para não dizer outro nome, precisava sentir o pulso da sociedade cabo-verdiana. E o quebrar consequente do silêncio dos inocentes. A tolerância zero contra o intolerável...
Assim entregue ao gado
Não sou um entusiasta do sistema judicial cabo-verdiano que me transformou, outrora, em arguido num processo kafkiano, feito para o bode dormir. Fui indiciado a responder a uma acusação de abuso de imprensa por um artigo não assinado, nem escrito por mim, de um jornal online, publicado a partir dos Estados Unidos da América. Estão a ver o filme? O gado tem cada uma! Tanto que "abri uma janelinha" sobre este caso no relatório dos Jornalistas Sem Fronteiras 2004, o qual fez reparo negativo de assaz "justiça". E o mais absurdo é que tal condição de arguido se estendeu por anos, sem que o processo judicial fosse concluído e sem que a burocracia judicial me dissesse algo sobre o seu andamento. O rato comeu o processo? E antes que tudo acabe em fábula, num país onde os magistrados até fazem greve, importava aqui lembrar ao pessoal que pior do que a injustiça só a não justiça. Ou esta literalmente assim entregue ao gado...
Filmes
Tropa de Elite
Assisti, no fim-de-semana passado, o filme "Tropa de Elite", do cineasta José Padilha, que retrata a violência urbana no Rio de Janeiro e o modus operandis do BOPE (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar). É um filme violento sobre uma realidade mais violenta ainda. Sobre isso, o jornal americano Washington Post escreve que "Por décadas, a maioria das mais de 600 favelas do Rio vêm sendo comandadas por gangues de traficantes. A polícia, tanto militar quanto civil, mantêm uma guerra contra esses grupos e são comumente criticadas por serem tão brutais --se não mais-- do que as próprias gangues. Os tiroteios são comuns, e os moradores das favelas ficam frequentemente sob fogo cruzado". A hiper-realidade desse filme deixa qualquer um pensativo...
Funny Porto Rican
Falando em cinema, a minha amiga Claire Andrade-Watkins apresenta, nesta quarta-feira, em Berlim, o seu último o filme "Some Kind of Funny Porto Rican". A convite da Embaixada de Cabo Verde na Alemanha (e aqui se pressente a marca indelével do Embaixador Jorge Tolentino), Claire, além de mostrar o filme aos berlinenses, fará uma palestra sobre a integração da comunidade cabo-verdiana em Rhode Island, nos Estados Unidos. Filha de pais cabo-verdianos, Claire Andrade-Watkins nasceu na América e faz parte da "segunda geração"dessa grande comunidade. Professora de cinema na Emerson College, em Boston, ela é considerada uma das activistas em prol do cinema africano e aquele realizado pela diáspora negra.
domingo, 21 de outubro de 2007
Brasis
(...)
Tem um Brasil que é próspero
Outro não muda
Um Brasil que investe
Outro que suga
Um de sunga
Outro de gravata
Tem um que faz amor
E tem outro que mata
(...)
Brasis. Seu Jorge
Tem um Brasil que é próspero
Outro não muda
Um Brasil que investe
Outro que suga
Um de sunga
Outro de gravata
Tem um que faz amor
E tem outro que mata
(...)
Brasis. Seu Jorge
Por cortesia da minha amiga e parceira Rubi, ganhámos alguns bilhetes para o show de Seu Jorge, no Centro de Arte e Cultura Dragão do Mar. O Espaço Verde era pequeno demais para os milhares que queriam ver o artista de voz poderosa, virtuso de instrumentos e personagem “Zé Pequeno”, no filme Cidade de Deus. E eis que aparece Seu Jorge, esbelto como um atleta e dreadlocks, a cantar um suingado samba-rock. A banda, com endurance de samba, funk e pagode, bate um som pesado e não há como ficar parado numa clave do tipo Jorge Benjor. Às vezes, lembra Gilberto Gil, em toada de samba de break; outras vezes, o gingado leva para Zeca Pagodinho, ou não fosse o artista também carioca da gema. Mas Seu Jorge é ele mesmo e ele próprio. É a favela que se revela no seu lado criativo. O show vem cheio de proposta social e de cidadania. “Se eu pudesse não seria um problema social”, canta, com causa e consequência, a voz que vem das margens brasileiras.
sábado, 20 de outubro de 2007
Ao que se pode da pedra
A Luiz Deusdara, Sílvio Baptista e Carlos Hamelberg
Uma pedra, ínfima que seja,
No seu significado de coisa
No que esconde de átomo,
Nos conta Deus em tudo...
Medra nela certa melodia,
Alguma dita no seu dorso,
Outra dentro da matéria,
Onde, diúna, a lua soletra...
Pode-se sonhar a pedra,
Cantá-la e amá-la assim,
E domá-la no seu canto...
Pode-se retornar ao Verbo,
Ao recomeço, sobretudo,
Do encanto da poesia...
Filinto Elísio
segunda-feira, 15 de outubro de 2007
Meditação e levitação
Isto não merece grandes alaridos, mas, para os meus amigos, creio fazer sentido saberem que recebo os títulos de Membro-Correspondente da Academia Cearense de Letras e da Academia de Artes e Letras do Nordeste. Dedico tais títulos à minha irmã Benilde Correia e Silva. Por tudo, tudo. Para aqueles que estão em Fortaleza, a festa promete provas de vinho, sortidos de queijo, muita poesia e recital de piano. O discurso de circunstância será breve. Simples, humilde e minimal. O meu espírito quer meditação e levitação. Vai ser amanhã, dia 16 de Outubro. No Ideal Clube…naturalmente.
quinta-feira, 11 de outubro de 2007
Poesis
Alma breve
De repente, Airton Monte descobre que a alma tem peso e ocupa espaço. Numa certa dimensão, fazendo jus ao meu amigo, a alma é matéria. “Há quem tenha medo da alma e há quem aprecie o seu convívio e com ela mantenha contactos periódicos”, escreve Airton Monte. Às vezes, conforta-nos a ideia de pensar que o corpo seja a casa da alma. Outras vezes, há coisas que nos vão simplesmente na alma. Isso para o caso de findarmos de modo prosaico e fatalista…
De repente, Airton Monte descobre que a alma tem peso e ocupa espaço. Numa certa dimensão, fazendo jus ao meu amigo, a alma é matéria. “Há quem tenha medo da alma e há quem aprecie o seu convívio e com ela mantenha contactos periódicos”, escreve Airton Monte. Às vezes, conforta-nos a ideia de pensar que o corpo seja a casa da alma. Outras vezes, há coisas que nos vão simplesmente na alma. Isso para o caso de findarmos de modo prosaico e fatalista…
A sós
Nos dias passados em Lisboa, sobretudo no fim-de-semana relâmpago na ilha da Madeira, aprendi a rir das noções de céu, inferno, limbo e purgatório. Será que precisamos de tamanhas grandezas para este conforto de pequeninos? Será que devemos andar sempre no meio dos deuses e demónios, quando já nos bastam os transeuntes do quotidiano? Vi bancos de praça que poderiam ser aqueles sobre os quais Jorge Luís Borges escreveria. Andei contigo as beiradas do rio e do oceano, como se não morrêssemos afinal. Alombei, a sós, ruas, ruelas, azinhagas e becos. Uns com silêncios. Outros nem tanto…
Para lá das semânticas
Escrever Poesis no Jardim das Hespérides é um gozo incrível. Escrevê-lo como uma opereta conceptual, a ser executada pelos Raiz di Polon, sob a batuta de Abraão Vicente, é um gozo redobrado. Já havia testado Mano Preto a fazer interpretação corporal com os poemas de Das Frutas Serenadas. O primeiro embate em São Vicente foi brutal. Positivamente brutal. João Branco que o diga. O frisson foi tanto. Estamos a montar a peça em Lisboa. É a secreta vida das palavras. Para lá das semânticas…
Poemas tão-somente
Um projecto tem lados complexos. Há que escrever o roteiro. Convencer os promotores. Demandar aos patrocinadores. Escrever orçamentos (vejam a foto que o Mito me tirou em pleno exercício orçamentário). A minha praia era escrever poemas. Poemas para o recital de Ricardo de Deus e para a interpretação dos Raiz di Polon. Ver o Mito a compor cenários e Carlos Hamelberg a geometrizar o espaço. Poemas lânguidos e caudalosos para “você dançar”, como diria Gilberto Gil. Poemas tão-somente…
Nos dias passados em Lisboa, sobretudo no fim-de-semana relâmpago na ilha da Madeira, aprendi a rir das noções de céu, inferno, limbo e purgatório. Será que precisamos de tamanhas grandezas para este conforto de pequeninos? Será que devemos andar sempre no meio dos deuses e demónios, quando já nos bastam os transeuntes do quotidiano? Vi bancos de praça que poderiam ser aqueles sobre os quais Jorge Luís Borges escreveria. Andei contigo as beiradas do rio e do oceano, como se não morrêssemos afinal. Alombei, a sós, ruas, ruelas, azinhagas e becos. Uns com silêncios. Outros nem tanto…
Para lá das semânticas
Escrever Poesis no Jardim das Hespérides é um gozo incrível. Escrevê-lo como uma opereta conceptual, a ser executada pelos Raiz di Polon, sob a batuta de Abraão Vicente, é um gozo redobrado. Já havia testado Mano Preto a fazer interpretação corporal com os poemas de Das Frutas Serenadas. O primeiro embate em São Vicente foi brutal. Positivamente brutal. João Branco que o diga. O frisson foi tanto. Estamos a montar a peça em Lisboa. É a secreta vida das palavras. Para lá das semânticas…
Poemas tão-somente
Um projecto tem lados complexos. Há que escrever o roteiro. Convencer os promotores. Demandar aos patrocinadores. Escrever orçamentos (vejam a foto que o Mito me tirou em pleno exercício orçamentário). A minha praia era escrever poemas. Poemas para o recital de Ricardo de Deus e para a interpretação dos Raiz di Polon. Ver o Mito a compor cenários e Carlos Hamelberg a geometrizar o espaço. Poemas lânguidos e caudalosos para “você dançar”, como diria Gilberto Gil. Poemas tão-somente…
domingo, 7 de outubro de 2007
Sintaxe do Desejo
Síntese da Poesia Visceral de Dimas Macedo
por Aíla Sampaio
Ânsia visceral de mim
que a face me estrangula...
(“Espumas” p.42)
São raros os críticos que se mantêm fecundos produtores de textos literários. Dimas Macedo é uma das felizes exceções. Assíduo leitor, sobretudo da literatura local, escreve semanalmente um artigo sobre obras representativas, valorizando a arte de sua terra e levando ao público nomes muitas vezes desconhecidos. Sua disposição para a pesquisa, tanto na área do Direito quanto na da Literatura, rendeu-lhe publicações significativas que tiveram repercussão nacional: Lavrenses ilustres (1981), Leitura e conjuntura (1984), Ensaios de teoria do direito (1985), Lavras da Mangabeira – Roteiros e evocações (1986), O discurso constituinte (1987), Notas para a história de Alto Santo (1988), A metáfora do sol (1989), Ossos do ofício (1997), Tempo e antítese (1997), Martins Filho e Joaryvar Macedo (1998), A obra literária de Alcides Pinto (2001), Marxismo e crítica literária (2001), Crítica imperfeita (2001), Pesquisas de direito público (2001), A face do enigma (2002), Crítica dispersa (2003), Entrevista (2003), Décimas a Alcides Pinto (2003), Política e constituição (2003), Filosofia e constituição (2004), Bibliografia – roteiro para pesquisadores (2004), Ensaios e perfis (2004), A letra e o discurso (2006).
Como poeta, pode-se dizer que é um dos mais produtivos da literatura cearense contemporânea. Estreou em 1978, com Primeiros poemas, dois anos depois publicou A distância de todas as coisas, obra que marcou seu nome na história das nossas letras. Deu uma pausa para dedicar-se à carreira acadêmica e jurídica, e, em 1990, voltou à cena com Lavoura úmida; em 1994, lançou Estrela de pedra e, em 1996, Liturgia do caos. Mais uma parada, então para repensar sua trajetória, reeditou o segundo livro em 2001, e retornou em 2003 com Vozes do silêncio. Em 2006, ano do seu cinqüentenário, editou Sintaxe do desejo, uma coletânea que reúne seus mais antológicos poemas. Além de uma síntese de sua produção poética, esse livro é também uma celebração, um coroamento de sua trajetória (como poeta), quem sabe o fechamento de um ciclo.
Os textos selecionados representam um balanço do seu exercício na arte do verso, no transcurso dos anos de 1978 a 2003, marcos da publicação de seu primeiro e último livro (até então). O que se constata é a manutenção do mesmo universo temático e a estabilidade de seus procedimentos estéticos, sua criação consciente do texto como um trabalho de linguagem. Profundamente ligado às raízes, telúrico e sentimental, o poeta conserva na coletânea os principais poemas que louvam a cidade-mãe. “Lavras” (p.26) é o primeiro deles:
Longe daqui do tumulto,
lá no meio das coisas,
prostrada para o universo,
posto que existe,
Lavras é a cidade mais bela do mundo,
pois em cada rua
nasce uma saudade
que termina em meu corpo.
A exaltação da terra natal traz a voz de Drummond, em sua constante evocação de Itabira, mais ainda a de Caeiro: “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, / Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia” (“O Guardador de Rebanhos”). É recorrente a crítica associar a poesia do Dimas à de Drummond, bem como à de Fernando Pessoa e seus heterônimos. A assimilação das leituras e a identificação temática e estilística está clara em “Ortônimo”, metapoema que norteia o espírito da criação macediana.
A última parte, “Dispersão”, traz ainda “Musa” e “Esfinge”, dois cantos de amor à sua Lavras, que, mais que cidade, é a imagem de sua infância: “Quando me lembro que nasci em Lavras, / a solidão de minha infância é tudo / e a expressão da existência é nada (...) pois as ruas de Lavras são paredes/ que se atravessam em mim como uma ponte.” Essa força que o liga ao passado, como as inquietações diante da existência, leva-nos a Cacaso (em “Lar doce lar”) “Minha pátria é minha infância / por isso vivo no exílio”. Há no homem um menino que guarda inexoravelmente sua infância e vive exilado de si mesmo, procurando o eterno retorno a um tempo impossível. Daí as perscrutações existenciais, a inquietação metafísica tão constantemente revelada em sua poética, o saudoso recordar (“Elegia”, p.36):
Lembro o meu pai
apascentando estrelas
e solidões
em tardes douradas
e a minha mãe
na sombra do alpendre
e olhos no algeroz.
A saudade, os questionamentos sobre a vida, o amor, tudo se transfigura em poesia. Ele mesmo disse, em entrevista ao Diário do Nordeste, por ocasião do lançamento de Lavoura úmida, em 1990, que “a Literatura é um lenitivo para o intelectual exasperado, mas é um lenitivo para quem busca uma resposta para a vida”. Com efeito, sua poesia é visceral, sangüínea, sua mais segura forma de sobrevivência e busca, como se lê em “Palavras” (p.39):
Para me suportar
a mim mesmo me basto.
Para não me morrer de tédio
Mergulho-me palavras.
A salvação do homem está na palavra. Sondando o enigma da existência ou levantando questões sobre o estar-no-mundo, o poeta lança um “Dilúvio” (p.30) de interrogações (aqui resumidas):
O que será esse mundo,
esses cosmos sem fim,
essa utopia?
Correm para onde, então,
essas filosofias?
(...)
Dai-me, Senhor,
conter em minhas mãos
o nada e o não-ser
e o desfazer de mim
a dor dessa introspecção.
Na solidão dos conflitos, o grito de angústia é indagação do mistério. O poeta pede a ajuda divina para livrar-se da dor de existir. A fé nesse Deus que “muda de residência”, mas “carrega a nuvem de seus passos”, é que o ajuda a “viver sozinho no deserto / buscando o amor / sentindo a esperança” (“Escudo”, p.110).
Em “Enigma” (p.66), é o tempo sua clausura. O vento, elemento do efêmero, aparece, em sua poesia, personificado. Se ele é a calmaria do tempo-espaço fundidos, é também seu confidente e cúmplice: “no centro da alma / há um castelo / no qual escuto / as confissões do vento” (“Ânsia”, p.79). A angústia diante do fugaz, bem ceciliana, é uma herança simbolista, e remete à busca de integração no cosmo, desejo de transcendência. Esse sopro simbolista está, inclusive, nos efeitos sonoros dos primeiros versos de “Metáforas”(p.46). “Ó conchas, ó conchas, ó formas”, onde se ouve claramente um sopro de Cruz e Souza, motivo do poema “Poeta”, de Vozes do silêncio (p.14): “João da Cruz e Souza: / eis o meu nome./Tenho a alma clara/ e de cintilações / é feito meu destino”.
A ansiedade de saber-se ou encontrar os sentidos da vida leva-o ao conflito existencial:
Porém a ânsia que sinto
é um conflito
muito maior
que a nave da existência.
A saída é a fé, como vimos no clamor ao Pai, ou a arte:
O mito de toda a existência é sempre a arte (“Lavragem”, p.37)
A arte: minha suprema realização (“Diário”, p.44)
A Literatura, sua arte por excelência, sem dúvida, é seu alento maior, como ele mesmo declarou em entrevista ao jornal O Povo, em outubro de 2006, na véspera do lançamento de Sintaxe do desejo:
“A literatura existe para substituir a vida, porque a vida por si mesmo não se justifica. A arte justifica a vida, porque a vida precisa ser reinventada e ela é reinventada fundamentalmente pela palavra. A palavra cria, a palavra transforma, a palavra liberta”.
Exercitando redondilhas, sonetos ou versos livres, Dimas mostra sua preocupação com a morte, mas não a coloca como centro de sua poética, talvez porque entenda que “O aprendizado da morte é a existência (...) (e) o sentido da vida é a suspeita/ de que a morte é a simetria de (sua) liberdade” (“Poética” p.68). É ainda o amor o seu estro, uma vez mais e sempre, celebrado de forma silenciosa, platônica:
As horas,
um amontoado de saudades,
minha idéia a encontrar-te
é como uma voz interior a ter-te.
Mas é irreal,
e o meu sonho, um sonho,
fundido com a minha angústia
como uma tarde sem horizontes.
Esse amor-falta, em outros versos, adquire carnação e torna-se erótico, até dionisíaco. Em “Banquete” (p.45), poema demais sensorial, há um rito na consumação do amor:
Entre ostras e pêssegos eu bailo
e bêbado
beijo o frutal de tuas algas.
Entre aspargos e vinhos
advinho o apelo de teus lábios.
(...)
E te possuo entre ostras e aspargos.
Entre vinhos e pêssegos eu te consumo
e te presumo mar absoluto e furioso.
Igualmente ocorre em “Frutos” (p. 81), poema sensual e bastante sugestivo:
A carne é fraca
e os frutos
maduros
são ditosos.
Apetitosos
os seios de Aline
na varanda
e as rosas brancas
no corpo de Marcela.
O amor-erótico se espraia em forma de desejo, no poema “Concha” (p.28): “Quero a louca / lâmina / da minha fantasia/ pastando no teu sexo” e se plenifica em “Casulo” (p.52), a mais bela peça romântica do livro:
Te amo sobretudo os lábios
e a resina viscosa dos teus seios,
pois a vulva dos teus olhos enlaça
a sedução invisível dos meus pelos,
onde começo a viver e me embaraço,
porque me mato de amor quando te vejo.
Já em “Ausência” (p. 69), o poeta recusa o amor-sofrimento e celebra o amor-vida, confirmando a doação plena e o desejo de felicidade:
Não. Eu não me quero o suicida
que despenca do alto da torre.
Eu me quero vida para te ofertar rosas
e te colher a plenitude de espigas maduras.
Dimas tem a poesia como o sentido de sua vida, a poesia visceral e sangüínea, costurada com a alma. Evocando a infância ou suas raízes, procurando a lógica da vida ou indagando sobre os enigmas que a cerceiam, refletindo sobre o processo criador ou reinventando-se na ‘tessitura do caos’, lembrando a morte ou celebrando o amor, ele sintetiza seu percurso poético no trajeto de seus 25 anos de poesia, reafirmando seu talento para as letras e fazendo o coroamento de sua maturidade estética e ontológica. Resta-nos a pergunta: se Sintaxe do desejo fecha um ciclo existencial, o que virá agora? Conhecendo o poeta, arrisco uma resposta: a reinvenção (inclusive do novo), porque ele sabe, como Cecília Meireles, que “a vida, a vida, a vida... só é possível reinventada ”. Também a poesia!
Fortaleza,
Junho de 2007
quarta-feira, 3 de outubro de 2007
De ver cidade
Velho de Restelo
Estes dias em Lisboa, mais precisamente em Restelo, têm, para mim, uma áurea especial. Ouço vozes – “tais palavras tirou do experto peito”- de Luis de Camões. Passeando pela barra do rio Tejo, diante do Mosteiro dos Jerónimos e da sombra de Vasco da Gama (o Grande Navegador), bate sobre a minha alma uma transcendência forte. Sou o Velho de Restelo...
Direito à cidade
Estes dias em Lisboa, mais precisamente em Restelo, têm, para mim, uma áurea especial. Ouço vozes – “tais palavras tirou do experto peito”- de Luis de Camões. Passeando pela barra do rio Tejo, diante do Mosteiro dos Jerónimos e da sombra de Vasco da Gama (o Grande Navegador), bate sobre a minha alma uma transcendência forte. Sou o Velho de Restelo...
Direito à cidade
O envolvimento neste último ano com a Câmara Municipal da Praia, fez-me militante pelo Direito à Cidade. Não defender apenas, para o próximo futuro, o Orçamento Participativo e o Conselho da Cidade, com caráter deliberativo, mas uma cidadania municipal mais qualificada. A pobreza, a insegurança, o apagão e o nó da água, são os grandes problemas que afectam essa cidadania. O mau gosto estético e a degradação do espaço também precisam ser debelados. Chegou a hora da qualidade de vida...
Mercado de carbono
Há dias, assisti a um documentário sobre o primeiro leilão de créditos de carbono, na bolsa de valores de São Paulo. Fiquei mais encorajado em relação à iniciativa de criarmos o Gabinete de Assessoria Ecológica. O que se poderá fazer em Cabo Verde em sintonia à Década da Água, por exemplo? Ou sobre o aquecimento global? Para já, proponho uma reflexão em torno do seguinte tema: Oportunidades para as Empresas Cabo-verdianas no Mercado de Crédito de Carbono. E, por ora e com a jornalista Margarida Fontes, somos os promotores do programa televisivo “Cabo Verde Ambiente”...
terça-feira, 2 de outubro de 2007
segunda-feira, 1 de outubro de 2007
Pablous
O Pablo fez hoje 5 anos. Como pai "babado" e assumido, não podia deixar de compartilhar convosco este facto feliz. Com o Pablo já tenho a cumplicidade de melhor amigo, uma química difícil de explicar. Filho é uma coisa trascendente, algo que nos arranha no âmago. Enfim...algo que nos realiza numa dimensão existencial e sideral. E o resto sendo imponderável...
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