terça-feira, 14 de dezembro de 2004

Santa´s

Santa´s coming to town

Em época natalícia, eu fico mais sensível. É algo que vem de trás, da infância mesmo. Encanta-me a orla marítima enfeitada de luzes, as bermas e as paredes caiadas. Vejo, com fina nostalgia, a azáfama das compras. É tempo em que abraçar os mais próximos ganha outra dimensão. E fico em dúvida se sou ateu ou devoto. E só não declamo versos de Fernando Pessoa pelas ruas, a medo de ser tachado de maluco. Valha-me Deus que homem também chora. Valha-lhe a mim próprio o dom de cantar, sem arrogância dos donos da verdade, estes dias que passam. E amar, sempre e de todas as formas, legitima o mistério de viver. Aproveito a quadra para desejar Boas Festas aos leitores do S/Cem Margens. Dizer-lhes que tem valido a pena o convívio, apesar dos riscos. Escrever nunca foi um acto inocente, mas uma afirmação existencial que tem peso e ocupa espaço. E esta hiper sensibilidade – que ora desagrada aos gregos, ora aos troianos – me dá gozo e responsabilidade. Ademais, será como cantar aos meus filhos (Denzel e Pablo): Santa´s coming…

Grito, logo existo

O atentado contra o Procurador da República Arlindo Figueiredo e a sua família provoca a todos vivo repúdio e obriga-nos a pensar. Estamos em guerra? Em estado de sítio? Ou de medo? Quem ousa gritar contra o estado das coisas? Quem ousa existir? O Estado não pode ficar vulnerável face à criminalidade. A democracia, contrariamente ao vaticínio de alguma gente, não é o Estado frágil, banana e desautorizado. É antes um Estado ágil, bastião e autorizado. Em nome do cidadão. Em nome daquele que produz, vota e paga impostos. E exige o bem-estar e o estar bem. O atentado contra o magistrado e a sua família significa apenas e tão-só que a criminalidade foi longe de mais. E que declarou guerra ao Estado e ao cidadão. Obriga-nos a pensar no Estado da Nação. Na segurança colectiva. Nos nossos filhos. Neste país que queremos todos ver transformado para melhor. Tomemos a capital por exemplo. Praia é hoje uma cidade a pedir medidas urgentes. Vende-se tudo e mais alguma coisa nas ruas: alimentos, animais, remédios e CD piratas. A população alivia-se em qualquer lugar e os becos fedem a urina e fezes. Os arruaceiros brigam pelas ruas e as prostitutas vendem o corpo à porta dos hotéis e das boates. Na calada da noite, os impiedosos assaltam os transeuntes; os veículos são saqueados à porta de casa. As moradias são fortificadas e as empresas cercadas de guardas-nocturnos. E o quadro completa-se com a apatia do cidadão: olha, dá em doido e cumpre o seu destino de pagar o IVA. E o criminoso tenta impor um way of life. Ora, isto está tomado de jeep em pó. Está cheio de miudagem que, como quem não quer a coisa, deposita milhares de contos nos bancos sem verificação de origem. Está abarrotado da basófia dos homens da farinha que fazem e desfazem, ante à impotência colectiva. Está assim de gente que mata por dar aqui aquela palha. Mas importa quebrar o silêncio. Gritar para poder existir. Contra o estado das coisas. O cidadão que conhece o drama da toxicodependência a cada esquina tem de legitimar e dar «carta branca» às autoridades para um combate radical e sem misericórdia ao narcotráfico. Em nenhum lugar se combate a droga com indiferença, paninhos quentes ou morabeza! Há que declarar guerra…no mínimo!

Nanda na varanda

Na varanda do meu apartamento, releio Antes que anoiteça, de Reinaldo Arenas. Antes havíamos discutido (eu, tu e o Pranchinha) as questões políticas em Portugal, país que não nos é tão distante. Há dias, falando com Casimiro de Pina, tive a grata impressão de que uma geração já encara a democracia a partir da perspectiva cultural. Democracia como processo de civilidade. Os Estados Gerais dos partidos que enformam a nossa constitucionalidade, nem sempre rompem em nós a primordial liberdade. Releio Arenas e penso na homossexualidade reprimida na nossa sociedade. Somos capazes de deflagrar problemas noutras paragens do mundo, mas não conseguimos enxergar a ignomínia que bate às nossas portas. Ora, isto está tomado ainda de alguma mediocridade. Lá longe, o barulho, piroso e encardido, de um colazouk.

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