sábado, 26 de agosto de 2006

Hora Grande


Os tempos são fortes e a hora é grande.

Saint-John Perse


Glosa

Para alguns, felizmente poucos (mas hegemónicos), está tudo bem e estável debaixo do céu. Questionar estes dias sob o sol nosso de cada dia seria subversão perigosa. Terrorismo de baixa intensidade, acto inaceitável num país pobre e vulnerável, ainda por riba de morabeza, como o nosso. Tudo bem e estável, mau grado a insegurança, o desemprego e a doença pública, aliada à holística incompetência, das altas nuvens ao rente chão. Os hegemónicos (poucos, felizmente) não querem saber das reclamações, das reivindicações e das manifestações. Do descontentamento das ruas, querem distância. E das insatisfações mais surdas, fazem ouvidos de mercador. Face à quietude aparente, mas falsa, o país navega por mares escusos e, qual nave dos malucos, todos fingem estar no porto de salvamento. Onde estão os lúcidos, minha gente? Um simples Velho do Restelo afinal? O que é da crítica local, outrora tão acutilante e valente quão agora necessária? Será que, no chão da República, a ignomia é permitida e a disfunção faz escola? Não, não e não, meus amigos. Os cronistas são filhos de Cronos. E deste, guardam a mais sagrada fidelidade. Não podem eles fugir aos tempos. E muito menos à grandeza desta hora…

Doença pública e a cidadania

Leio a entrevista de uma autoridade sanitária, no Jornal Expresso das Ilhas, e discordo das suas colocações. A política da saúde pública precisa ser revista, sim senhor. Vejamos, por exemplo, a questão do paludismo, afinal retornada, mas só agora assumida como endémica, pelas autoridades. Não poderia haver um plano preventivo mais sério e consequente diante de uma realidade por assumir. Nem poderia haver autoridade sanitária em face de uma não-problemática. Qual teria sido a razão deste irresponsável silêncio? A beleza dos indicadores que muito doura as estatíticas e induz a elogios internacionais? O turismo emergente e cada vez mais importante, mas contingencial em face a rupturas da saúde pública? O medo aos investidores que olham para isto como um destino lucrativo? A oposição sistemática, mister democrático, pronta a tirar dividendos das desacelerações e afins? Francamente, nós, os cidadãos, contribuintes e eleitores, temos de perceber as razões do silencio. Quando morre gente, por paludismo ou outra doença (duas por ano que sejam), em quadro de uma política ausente, a culpa nunca é da fatalidade. Nem da população. Não se criminalize a vítima, por favor. Existe paludismo na cidade da Praia, porque a sua população é culpada, não colabora e não limpa? A Praia é uma lixeira, conforme o Bispo de Cabo Verde, porque ao praiense falta urbanidade e civismo? Será a Praia uma lixeira ou lixeira é o que uns e outros fazem da Praia? Tenham dó, meus senhores. As coisas não são assim. Mais do que teatros de bairro, mas sérios investimentos no saneamento, na higiene, na infraestruturação e na qualidade de vida na cidade. Mais do que jogar as responsabilidades e as culpas para debaixo do tapete, mas medidas concretas em relação aos problemas reais. Vamos, agora, aliviar as coisas e trabalhar por esta causa comum. Em respeitos aos vivos e aos mortos. Na certeza de que deste lado estamos lúcidos. E consequentes…é pagar para ver!

Porto, aeroporto, estradas & etc

Falta muito, faltando mais à minha cidade. Faltam equipamentos de mais qualidade: porto, aeroporto, estradas & etc. O desenvolvimento só se processa com o homem educado no espaço equipado. De escolas (do básico ao superior), de hospitais (por demanda populacional), de ruas asfaltadas (ou pavimentadas, a gosto) e de praças (com flores e monumentos), entre outras tantas coisas que dão dignidade e cidadania. Assim, terra de ninguém - de porto atrofiado, aeroporto tacanho, estradas medíocres & etc -, as coisas não funcionam. Não só para a minha cidade, mas para o país todo. Falta muito, faltando mais, e terá chegado a hora de interpretar Saint-John Perse: Os tempos são fortes e a hora é grande.

3 comentários:

strawberryfairy disse...

Olá Eis me de volta peço desculpa pelo desaparecimento e por ainda não ter respondido aquele antigo email, mas tratarei de por as coisas em ordem:)
Até já já

Kamia disse...

Finalmente o Albatroz soltou o verbo e disse as coisas preto no branco, sem panos quentes.
Gostei.

Filinto Elisio disse...

Kamia,

Estou de volta. Com causa. Assumindo as consequências. E, de vez em quando, Poesia.

Obrigado pela "força"...