terça-feira, 15 de junho de 2010

O último poema

“O último poema deve ser muito parecido ao susto do primeiro”

Airton Monte

 
Me_xendo no baú

Mal termino o último poema do “Me_xendo no baú. Vasculhando o U”, ponho-me à trepidação de to enviar, esperando que nele te revejas em cada palavra dita e em cada sentença ainda por dizer. A sintaxe do desejo, afoita à saga da solidão, permite-se também ao tantra contigo e eu (dizê-lo de a Caixa da Pandora estar aberta) não tem o limite da compostura. Os tais labirintos de água, terra, fogo, ar, de que fala José Luís Peixoto. É o sentimento que vira e mexe, sem pieguice, todavia. É apenas uma pluma suspensa no ar e isso não se explica. Nem mesmo ao leitor…


O seu ao seu dono

Está-se a mesa a falar da religiosidade. Somos todos de fé - muita, demorada e sincrética fé. Dispensando liturgias. Alguém propõe falar o Criador e a criatura. A sua cria. O meu amigo Crisolino, “glamouroso” de papel passado, dizia que Deus operou meio milagre ao criar o homem. Já no caso da mulher, o seu ao seu dono, Ele operou milagre e meio. Fê-lo, mais por cálculo da costela do que ilusão de obra-prima. Fê-lo e deixou a obra fazer seu percurso sozinho. Existencialmente…


Morreu-me Lisboa Ramos

À beira de lançar um romance em Lisboa (estava mesmo a falar com os jornalistas sobre ser ou não ser romance), morre-me Aguinaldo Lisboa Ramos, cabo-verdiano de primeira água e cavalheiro de finíssima estampa. Quando me morre alguém – gente de trato amigo, ainda que esparso e caldeado na diferença etária, como é o caso -, as aves da metáfora arribam à minha igreja. Não a dos altares pesarosos, mas aquela interior que se levita para o vão da Beleza. Apesar de agnóstico juramentado e avassalado, tenho os meus momentos de crença e agora, com esta triste notícia de falecimento, os dias ficam-me cada vez mais pobres. Saio para a primaveril varanda lisboeta e identifico, entre vários cravos, um que (por crença genitora de poeta) deve ser o “belo espírito” de Aguinaldo Lisboa Ramos…

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