sexta-feira, 18 de junho de 2010

Memorial do Convento

«Entram com el-rei dois camaristas que o aliviam das roupas supérfluas, e o mesmo faz a marquesa à rainha, de mulher para mulher, com ajuda doutra dama, condessa, mais uma camareira-mor não menos graduada que veio da Áustria, está o quarto uma assembleia, as majestades fazem mútuas vénias, nunca mais acaba o cerimonial, enfim lá se retiram os camaristas por uma porta, as damas por outra, e nas antecâmaras ficarão esperando que termine a função, para que el-rei regresse acompanhado ao seu quarto (...) e venham as damas a este aconchegar D. Maria Ana (...).

Vestem a rainha e o rei camisas compridas, que pelo chão arrastam (...). D. João V conduz D. Maria Ana ao leito, leva-a pela mão como no baile o cavaleiro à dama, e antes de subirem os degrauzinhos, cada um de seu lado, ajoelham-se e dizem as orações acautelantes necessárias, para que não morram no momento do acto carnal, sem confissão, para que desta nova tentativa venha a resultar fruto (...)»


José Saramago
in Memorial do Convento

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