quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Os juízes e os nossos deuses de esquina

(O Salão Abílio Duarte está cheio e a multidão celebra a chegada do candidato. Nos bastidores, é tudo adrenalina. Mayra Andrade está em Cabo Verde a emprestar poesia a este Natal de rebuliço comercial. No Senegal, faleceu a minha tia Ivone. Ainda estou por saber quem julgará os juízes. E os nossos deuses de esquina…)


Pórtico

As Festas aproximam-se vertiginosamente, mas a minha alma está triste com o falecimento da tia Ivone, irmã da minha mãe, pertença do que somos e do que temos em termos dos valores familiares. Naturalmente que não irei discorrer sobre este doloroso facto íntimo no S/Cem Margens que, modéstia à parte e mau grado o próprio autor, é referência pública. Entrementes, dando contas à vida, devo sublinhar que a morte é o grande reconstrutor das coisas. Relativizando tudo, mas tudo, nada se sobrepõe à perda (irreversível) de uma pessoa querida e próxima. É como se uma espécie de sol partisse para todo o sempre. Dói muito, muitíssimo…

Glosa

As Festas aproximam-se vertiginosamente, dizia, e a azáfama natalícia é consumista. O comércio é o grande ganhador de haver Natal e os pobres ficam mais deprimidos do que nunca. Sempre achei que o Natal daria uma excelente ocasião para o debate sobre o desequilíbrio social. Paradoxalmente, a celebração do nascimento de Cristo (a grande esperança dos deserdados) se transformou na exuberância dos poderosos. Pode? Não que eu seja contra a celebração e o encanto natalícios. Quem chega em casa e não encontra a Árvore de Natal, não se considere feliz, nem benquisto. Há rituais que valem a pena, porque o ritualismo faz parte do ser antropológico. De resto, cai bem sair pela Avenida Cidade de Lisboa e pela Avenida dos Combatentes pela Liberdade da Pátria e ver as luzes da cidade. Melhor, só a voz de Nat King Cole a cantar “Merry Christmas To You”, no rádio do automóvel. Vertiginosamente, e de um só gesto, apetece-me abraçar a todas as pessoas que amo…



Deliberações & milénio

Uma decisão das autoridades eleitorais, sem efeitos práticos, que o Falecido comentaria “apenas para o inglês ver”, manda um partido político retirar cartazes de propaganda eleitoral colocados há três meses. Esse ilícito, que já teve o seu impacto danoso, está a ser reparado tardia e morosamente, permitindo à opinião pública pensar que a impunidade reina e que há uma tendência de “bananização” da República. E, já agora, porque “o cujo nada tem a ver com as calças”, aproveito para expressar solidariedade ao jornalista José Leite, do Noite Ilustrada, diante do acto censurante (sem aspas, meus senhores) a uma peça feita com isenção e deontologia jornalísticas e que não belisca os princípios que enformam o sistema e a lei eleitorais. Estamos a entrar em 2006, caríssimos. Há coisas que não cabem no milénio!

Com Cabo Verde no coração

Estive na Assembleia Nacional a ponderar a nossa sala cheia. O candidato Pedro Pires dizia, às tantas no seu discurso de apresentação, que a questão de fundo já não é a de haver ou não a democracia, mas sim da qualidade da democracia que existe no país. E, se a conversa antes era a sala composta do adversário, o que se dirá agora da transbordante multidão que ali estava a apoiar o “Amigo Comandante”? Mas o tema recorrente terá de ser adiado novamente, já que é impossível não pensar na minha tia Ivone, recém falecida, cuja alegria de viver merece, aqui e agora, a recitara da minha imensa saudade…

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