segunda-feira, 18 de julho de 2005

DAS FRUTAS EM 5 TEMPOS

1.

Direi destes dias os momentos de prumo,
As nuvens que passam e deixam aqui travo,
Os olhares, uns de soslaio, outros de frémito,
Que serenam bem ao viés suas dilectas frutas.

Das metáforas direi o crepitar dos fogos,
Ora de águas, ora de ventos, quando não dos ares,
Pequenos nadas, somatizando febres, reversos,
Destroçadas vidas, fonemas, chispas e poemas.

E de os dizer hás de escutar tu, minha fome,
Aroma das ervas, temperos esquecidos, sais
Na boca de comer tudo, ó meu tanto pecado.

Sangue das trevas tu, ácidos e salivas, halos de ti,
Onde a borbulha das espumas sabe a frutas,
Furtivos beijos, e por dar-te o trevo destes dias...

2.

Todos os poemas são de amor na estação das frutas
Se, da minha gula, de apenas um gole te sorvesse
São tácteis desejos de chuva, outrora vidraças de ver
Tua espraiada partida, mesmo quando versos de solidão.

Todos os poemas são de outra música assim cantada
Em pertinazes versos, palavras quase ondas, viagens,
Chinas por aí, longe de nós a fímbria dos invernos
E estarei bem à porta – direi sempre - de chegada tua.

Os poemas são desenhos largados nas longas estradas
Errantes dos desertos, horas, dias, anos a fio, palavras
Pelas dunas – também direi sempre – do teu corpo.

Navegantes dos oásis, soletradas florestas de sermos,
Na noite e no dia, o esvoaçar das areias em rara clepsidra
De ti, porque doutra glosa não, serei neste silencio cativo...


3.

As frutas, uma a uma, darão suas entranhas à boca,
O roçar leve de língua ao gosto de todas as coisas,
As frutas saberão trazer do antanho nossas memórias
Em paraísos de proibir nas árvores todo o proibido.

Uma a uma, não nos poderemos delas jamais apartar,
Silabas poderosas no ulterior dos verbos acamados
Nos leitos de horizontes surgidos do útero da baía
E nas janelas abertas para o império dos sentidos.

De quantas frutas somos benditos no ventre das vontades,
Quantas lágrimas, suores e sémens, vagidos de nada,
A esventrar a espessura de tudo ser mais prima matéria.

Ajoelhados ante o silêncio, soletraremos ao infinito
O que desta idade temos ainda de eterna saudade
E entoaremos, de sussurros tão-somente, o hino às frutas.

4.

Tempos houve em que foste meu riso e meu siso,
Meu travesso sonho, de coisa alada, foste meu tudo,
Transeunte em cidade grande, eras meu néon,
À beira mar, a neblina para lá da tarde eras tu.

Também tu eras a réstia do crepúsculo e quase noite
Estrelavas a primeira estrela d´alva pela manhã
Pássaro que voa grande e redondo em torno do mundo
Cântico guardado no baú das lembranças circulares.

Eras sim tu na minha mão de apertar ninguém,
Outro alento quando arfavas à moribunda leoa
Animal caído em descanso, de qualquer remanso.

Eras e não eras nesses tempos tu, minha deusa,
No espelho transfigurado de algum reflexo,
Diletante água, meu sorriso, de coisa alada...





5.

O travo das nuvens que passam, o frenesim
Que somos à batuta dos momentos, na retina
Dá-me conta de bocados de nós, retirantes da vida,
Somente louvados daqueles que se amam.

Entrelinhas salpicadas de folhas, silvestres
Quadras impregnadas de calor e halo, incenso
Incendiado nos seios e nas coxas das flores,
Exalados aromas de quando esfíngica és tu.

Não só de palavras, das belas letras vivemos
Nós os de boca esventrada aos teoremas
Que refazem escalas das fórmulas soltas.

Mas de gestos e actos, de cujas pirâmides somos
Quais vértices onde nelas faz o sol zénite
E não terei outra eternidade senão teu olhar…



FILINTO ELÍSIO

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