domingo, 23 de janeiro de 2005

Idade meio porn

Filinto Elísio


Eterna idade

Pronto! De nada adianta fingir, dizer que tudo vai bem e que a lida anda a fluir cor-de-rosssima. Fao anos e no estou preparado para a canga da idade. Releio os versos de Mrio Fonseca e concordo com o poeta: viver devia ser at vinte. Mais do que isso, sobreviver aos barrancos e trancas. Dizes que eu devia estar contente, ufano e glorioso, at aqui de trabalho, aceso na ribalta dos aplausos. Mas qual qu? Onde j se viu um poeta virar vaidoso por ter subido num pedestal qualquer? Onde j se viu um andarilho gramar os louros que enfeitam a leviana fronte dos heris? Crise dos quarenta, te confesso. Afrontas-me com isso de gostar dos frutos e deles soletrar os amores trespassados. Fingir que tudo vai bem debaixo do sol, o tanas. Os livros j escritos (meus e teus) demandam um auto-de-f. Os no prelo, j no me do gozo antes mesmo de virem ao pblico. E ainda hei de escrever outros tantos, mais por desaforo intelectual do que pelo engenho e arte. Um pecador precisa da mo de me na cabea, banho de ervas e bno de pai-de-santo, que ningum de ferro. Depois, o astral por aqui no lembra ao diabo

Falando em cumprir anos

Diz-me o Pranchinha (sempre a provocar) que o pior dos anos a festa de aniversrio. No falo do arroz de pato da dona Mindoca, que divino. Ou, de um certo prisma, profano. Nem falo da famlia que o nico abrao existencial que Deus permite ao pecador. Mas da pirosa vela acesa, como um farol, no topo do bolo. Do ambiente ruidoso, numa hora que se quer zen, paz, nirvana. E dos vrios tipos de amigos que o prprio Pranchinha descreve assim: amigos simples, amigos verdadeiros e amigos da ona. Os amigos simples levam uma garrafa de tintol para festa. Os amigos verdadeiros chegam mais cedo, ajudam a cozinhar e ficam at mais tarde para ajudar a limpar. E os amigos da ona fazem tudo isso, e ainda arrasam a garrafeira, vomitam no tapete e dormem atrs do sof at o day after pela manh, quando a empregada os encontra. E a s faltaria mesmo o General Palanque a danar sapateado em cima da mesinha da sala. Ou, ento, o D.J., em vez de msica, a soltar no rdio as discusses acesas e outros reportrios do Parlamento. Pode? O pior dos anos de facto a festa de aniversrio

Filhos e livros ou vice-versa

Mas no me liguem muito, nem me levem tanto a srio. Foi uma nuvenzinha que passou. Coisas da idade. Ademais, isto de viver apartado do Denzel (este j quase um adolescente) tem muito que se lhe diga. O Pablo ocupa-me uma metade, mas a outra metade fica-me vazia. Ou to-somente cheia de nostalgia. Copo meio cheio ou meio vazio, eis a questo. Recolho dados para uma antologia potica a sair em torno do 5 de Julho. O ttulo ser 30 anos da poesia moderna cabo-verdiana. Ou A potica de quando a vida nasceu. Quero perfilar os melhores poemas cabo-verdianos das ltimas trs dcadas e deixar isso como uma obra singela, em tributo Independncia Nacional. Outrossim, est pronto o livro Das Hesprides (fotografia, verso e prosa) sobre Cabo Verde, editado pela Universal Frontier. O livro ser distribudo no mercado portugus pela Caminho. Ainda para este ano o livro S/Cem Margens ou quando o Zero faz das suas. Para dar sada, em formato livreiro, estas crnicas descontnuas. Quanto ao resto, tudo continua ao Deus-dar.

Domingo

De manh, vi um show de Toquinho e de Chico Buarque no DVD, em casa do meu pai. Falou-se de tudo e de nada, mas ficou aquela passagem sobre Eduardo Loureno. Falou-se tambm da estratgia para a antologia, com paralelos nos j feitos, aos quais devo reverncia. Durante a tarde, o Pablo virou o dono da festa. Passeamos pelos stios que nem conto. Numa de mano a mano.
noite, hora light de tomar uma caipirinha, sumo de caju ou de tudo que se possa imaginar, e de jogar xadrez, ou domin, ou pacincia, ou simplesmente declamar versos de Fernando Pessoa. Mas no se preocupem (coisas do Pranchinha, meio porn o gajo), nem tudo isto exactamente verdade

1 comentário:

Matilde disse...

Feliz niver Filinto.
Paz y amor.
Matilde