segunda-feira, 17 de janeiro de 2005

Das frutas serenadas


Romãs


“Não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!”

David Mourão-Ferreira



Amor, não tarda que as romãs
sejam aqui frutas da época
e o irmos à loja da esquina
- do Ambrósio, como sabes –
flagrantes agora de lilases
(tão simplesmente frísias, lá estás tu)
ou framboesas das que também comíamos.
Não tarda, Amor, que, alados,
desmedidos no alarde das sombras,
nos tornemos destas apenas névoa,
quem sabe se nesta ou noutra vida
saibam aos beijos este travo das maçãs,
e o que se debruça no peitoril aos gritos
- os teus seios de ver, as tuas mãos nas minhas,
as romãs – e, tão rente à boca, tanta fome
(ou, Amor, sede, diria) que te guardo…



Mangas


Não te quis contar tudo das mangas,
antes balbuciei aos teus ouvidos o luar
que, da fresta dos coqueiros, banhava
o areal silencioso, pedaços de notas
com que a brisa desejava as ondas,
o termos sido, mano a mano, essa loucura!
Das mangas não, Amor. Tão íntimas de nós,
pedras soletradas, tão de toda a fruta
(cá dentro) como foram os abraços
e a nudez que não nos acabava, senão
nas pétalas de uma flor serenada
e nesses murmúrios (soubeste-os sempre)
das mangas…


Filinto Elísio

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