O Circo III
Há muitos anos, por altura da Expo Sevilla 92, escrevera uma crónica no Jornal A Semana, intitulada O Circo I. e, porque um governante deplorara o texto, fizera (bem de calote) a reprise com O Circo II. Agora, é O Circo III. Porque abro a Enciclopédia Cabo-verdiana (obra ainda por fazer) e imagino os grandes nomes – Eugénio Tavares, Luis Loff de Vasconcelos, Pedro Duarte Silva, Abílio Macedo, Baltazar Lopes da Silva, Jaime de Figueiredo, Jorge Barbosa, Amílcar Cabral, Manuel Lopes, Simão de Barros, Manuel Duarte, Abílio Duarte, António Carreira e Henrique Teixeira de Sousa, entre outros. Esta plêiade de imortais não excluirá os mais contemporâneos. A Cultura, felizmente, não é excludente e deverá ser perspectivada nessa dialéctica permanente entre a tradição e a inovação, no interseccionismo de matrizes, muitas vezes, ontológicas, retrospectivas e prospectivas…
Literatura 1
O melhor da literatura cabo-verdiana, com respeito pelo cronograma das coisas, é aqui e agora. Se estou a dizer uma heresia, peço desculpas e aguardo, humildemente, que me provem do contrário. A literatura, tal como a música, não parou no tempo. Ela continua dinâmica, viva e dengosa. Os escritores, de pés fincados na terra, querem hoje ter mãos soltas no mundo. Uma das grandes virtudes deste momento é podermos re-significar a teia da Cultura. Refazer caminhos, ousar novas e outras experiências, mantendo respeito pela espiral da História, conscientes de não termos sido (nem os outros foram) especialmente originais. O olhar na direcção do passado leva-nos a perceber o enorme legado dos Claridosos e a reconhecer que o conceito da Claridade (livre de preconceitos, mistificações e falsas supremacias) permanece até hoje como matriz e motriz da nossa contemporaneidade…
Literatura 2
Trouxe, para ler em Cabo Verde, O Caçador das Pipas, do afegão Khaled Hosseini. O último romance que me fizera vibrar assim: Diário de Mis Putas Tristes, de Gabriel Garcia Marquez. O pano de fundo é a sociedade hermética, aprisionada pela política e pela religião. As crianças caçam suas pipas coloridas, mesmo proibidas pelas ordens instituídas. O resto é as belas letras. Estas são um valor universal…
Claridade 1
Na Ribeira Brava, Ilha de São Nicolau, um evento muito bem organizado comemora o centenário de nascimento de Baltazar Lopes da Silva. Palmas para a Câmara Municipal da Ribeira Brava. Nho Baltas é um dos filhos mais ilustres de Cabo Verde e a modernidade da literatura cabo-verdiana deve-o muito. Professor de várias gerações, prosador, poeta e ensaísta do melhor quilate, advogado do povo e activista social, Baltazar Lopes da Silva continua entre nós a suscitar interesse, curiosidade, estudo e pesquisa. Claro que ninguém é o maior, nem é o melhor, dos cabo-verdianos, como alguém, esquecido da ciência e da história, quis propalar em tese. Pequena política a quanto obrigas! Quanta infantilidade! Tenho a certeza de que Baltazar Lopes da Silva foi um dos grandes. E que, passando essa poeira de seu laivo provinciano, ele será um imortal…
Claridade 2
Estive no Sal a acompanhar as filmagens do documentário Claridade Incandescente, da jornalista Margarida Fontes, produzido pela Televisão de Cabo Verde. O Programa nº 4 será dedicado a Jorge Barbosa, o percursor do Movimento Claridoso, conforme disse, outrora, Félix Monteiro e diz, agora, Fátima Bettencourt. Não apenas pelos ditos do investigador e da escritora, respectivamente, mas também pelo que prova o manancial de estudos, estará patente a figura matricial de Jorge Barbosa. Fomos confirmar pelos traços e pelos rastros que ele fora um poeta complexo por detrás das mascaras poéticas que utilizava. Itinerante, ambientalista e zen, umas vezes; denunciador, activista e localista, outras vezes, Jorge Barbosa será também um imortal…
Claridade 3
É já na sexta-feira, dia 26, o início do Simpósio sobre o 1º Centenário de Nascimento da Geração do Movimento Claridoso, algo que se inscreve num vasto e diverso programa comemorativo, por todo o Arquipélago. Os conferencistas já estão a postos. O Simpósio na Praia faz sentido, sim senhor. O naipe dos fundadores também irá abordar Manuel Lopes. Esse que escreveu Chuva Braba, o grande romance cabo-verdiano. Esse imortal…
Escrita 1 (para Abrãao Vicente)
Meu amigo, as vacas seriam, se tanto, todas profanas. E as que se afirmam sagradas, não passam de levianas. Desmistifiquemos, pois, essa coisa bovina que se arma em totalitária. E recusemos de seguir o cherne, conforme a alegoria do grande Alexandre O´Neill. Escreve, sim, com mais irreverência. Sobre tudo e sobre nada. Eu também não me arrependo de nenhuma escrita. Devo ter feito pessoas rirem e chorarem. Fi-las pensar, disso tenho a certeza. Tenho recebido cartas e telefonemas de muita gente. Uns a louvarem, outros a deplorarem. Nenhuma indiferença, pois esta seria a morte do artista. Todas as palavras aqui foram medidas, ponderadas e posicionadas. Este autor jamais seria, de nada ou de ninguém, uma vítima inocente. Continuarei, sem lenço, nem documento, mas lúcido. Cada vez mais lúcido…