Por Filinto Elísio
1.
Participámos há dias num debate televisivo sobre a Imprensa em Cabo Verde, no quadro da programação da TCV sobre os 30 anos da Independência de Cabo Verde. Debate aceso, interessante e necessário, não apenas pelos tópicos desenvolvidos, mas pela parte pedagógica de se debater as diversas grandes questões. Só que num debate de uma hora, com cinco convidados e meia dúzia de reportagens, muito terá ficado por dizer, razão porque quereremos retomar uma ou outra ideia abordada nesse fórum. Às tantas pela discussão ficou a ideia de que a auto censura não existe senão na cabeça dos jornalistas sem carácter, premissa, na minha opinião, viesada já que os mecanismos censurantes devem ser tratados com mais complexidade e delicadeza. Grosso modo, já que ninguém é absolutamente livre, os mecanismos censurantes condicionam a vida de todo o ser humano, em qualquer tempo e/ou lugar. A par disso, em não havendo censura como instituição em Cabo Verde, permanece ainda, e quiçá por muito tempo, o espectro do limite imposto e interiorizado pelo profissional da comunicação social. Ademais, a censura não é apenas a proibição do discurso, mas é, em larga medida, a obrigação de escrever e de reportar um certo discurso. O Dicionário do Jornalismo, de Fernando Cascais, define a auto censura como «mecanismo psicológico provocado directa ou indirectamente pela pressão envolvente que desencadeia limitações na capacidade de expressão do pensamento ou na liberdade de comunicar através dos media. As suas causas são múltiplas, da pressão política velada a instabilidade de emprego, passando pela ameaça económica de anunciantes ou patrocinadores». A partir de tal perspectiva quem dentre nós não lida com este mecanismo insidioso que atire a primeira pedra.
2.
Houve um tempo em que era necessário apontar o dedo para o outro, buscar, no contexto e na conjuntura, as razões para justificar determinadas insuficiências. Sinceramente que não consideramos ser essa a via mais correcta, nem ser essa a melhor estratégia. Importa-nos, antes de mais, identificar o problema e evidenciá-lo a partir da ideia da sublimação. O jornalismo cabo-verdiano evoluiu muito, e bem, nos últimos 30 anos. O campo mediático alargou-se e hoje há relativa liberdade da imprensa – o espectro mediático, pelos órgãos que oferece e pelas linhas editoriais que apresenta, revela que um enorme espaço de manobra para o jornalista e para o cidadão. A velha pergunta: é a liberdade da imprensa ou do jornalista? Por ora, interessa-nos consolidar a liberdade da imprensa, ficando a liberdade do jornalista (no órgão e na sociedade) para uma outra análise.
3.
Só que, como diz a gíria brasileira, “o buraco é mais em baixo”. Em verdade, a classe dos jornalistas precisa de uma profunda introspecção. Como em muitas profissões, os jornalistas precisam estar mais informados para melhor informar, mais especializados em face das áreas especificas do conhecimento, dominar as novas tecnologias de informação e as técnicas de investigação e ser mais competitivos. Os jornalistas precisam ser mais cultos quando abordam a tensão política na Guiné-Bissau ou o campeonato europeu de futebol, passando pela violência doméstica ou pela mecânica do deficit publico em Cabo Verde. Precisam ser mais profundos a tratar da questão da integração ou da parceria europeia, a olhar o espectro político-partidário e a cobrir a carreira artística de Cesária Évora. Pequenas e grandes agendas, mas que exigem tratamento profissional e de qualidade, em prol da informação e do direito do consumidor. Sem simplismo, nem tábua rasa, o grande problema do jornalismo cabo-verdiano ainda reside no próprio jornalista, uma questão mais de forma e de conteúdo do que propriamente de contexto, por mais que este ultimo aspecto interfira na problemática.
4.
Digamos que o grande desafio do jornalismo cabo-verdiano tem a ver com a qualidade, isto é, com o domínio das regras técnicas e deontológicas, que se inspiram em critérios de bom senso, bom gosto e rigor profissional. A introdução dos livros de estilo nas redacções tornou-se um must e um factor na definição da qualidade e da credibilidade de um meio de comunicação social. Os livros de estilo são orientadores de normas linguisticas, técnicas e éticas que, cumpridas, uniformizam um padrão de qualidade, sem por em causa a criatividade e a liberdade do profissional.
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