quinta-feira, 8 de maio de 2008

Arroz


"E não adianta buscar esse caminho nos outros e nas coisas, pois a porta de acesso somente pode ser aberta por nós e por dentro. Cabe-nos simplesmente destrAlinhar à direitaavá-la, mas se estiver emperrada, o jeito é arrombá-la".
Aufifax Rios
Vianda básica
Leio, na revista Correio Internacional, um gravoso artigo sobre a eleição de Sílvio Berlusconi, algo que não me move como a escassez do arroz, e vejo que o mundo, para lá do triunfalismo globalitário, não passa de uma grande violência estrutural. Há uma clara eclipse da razão e da justiça. Os cosmocratas falam em crise do arroz. O Império da Vergonha prefere colocar os alimentos nos carros que nas bocas das crianças do mundo. Anda tudo ligado. E que não venham os nossos sabichões, armados em trepadores de coqueiro, fazer a defesa do indefensável. Parem a grande treta. Sem o arroz, vianda básica da nossa gente, a democracia resta empobrecida e inoperante…
Viciado em arroz
Em verdade, sou um viciado por arroz. Todos os meus pratos preferidos são acompanhados de arroz. Aproveito a oportunidade para esta nota pessoal, com devido respeito aos aficionados da alta cozinha (ou da "nova cozinha", como insiste o meu sócio e amigo Carlos Hamelberg), mas os meus predilectos são peixe frito com molho escabeche e arroz pintado, arroz de pato à Dona Mindoca, arroz de atum (atum de conserva cabo-verdiana!) e canja de galinha (com arroz "tupatupa"). Isto, para não vos falar do bolo de arroz e do arroz doce. Acompanhante dilecto e recorrente, expresso aqui a minha preocupação face à propalada crise do arroz. Vendo a geopolítica e esta insanidade dos especuladores de tudo, apetece-me dar viva ao arroz nosso de cada dia e um retumbante abaixo a cosmocracia que não interessa ao Planeta…
Agora falando a sério
Durante anos o Banco Mundial e o FMI disseram que um mercado liberalizado proporcionaria o sistema mais eficiente para produzir e distribuir alimentos, mas hoje os países mais pobres são forçados a uma intensa guerra de competição contra especuladores e comerciantes. Hedge Funds e outros capitais errantes estão a despejar milhares de milhões de dólares em commodities que fogem dos mercados de acções, colocando os stocks de alimentos fora do alcance das pessoas pobres. Segundo estimativas, os fundos de investimento agora controlam 50-60% do cereal comercializado nos maiores mercados de commodities do mundo. Calcula-se que a quantia de dinheiro especulativo em commodities futuras – mercados em que os investidores não compram ou vendem uma commodity física, como arroz ou trigo, mas meramente apostam sobre movimentos de preços – inchou de US$5 mil milhões em 2000 para US$175 mil milhões em 2007. A situação é indefensável. Um crime à escala mundial. Olhe-se para o Haiti, por exemplo. Poucas décadas atrás era auto-suficiente em arroz. Mas um pacote de 1994 do FMI, forçaram-no a liberalizar o seu mercado. O arroz barato inundou-o a partir dos Estados Unidos e a produção local foi arrasada.
Meio vegetativo
De repente, carro parado no meio do engarrafamento, sentiu-se completamente só. O mundo como um enorme armazém vazio de arroz. O turbilhão das pessoas à sua volta parecia nada. Ele já não tinha reunião marcada, nem criança ruidosa em casa. Agnóstico, não cometeu o pecado de ir ao confessionário e, nesta cidade, não era hábito ter psicólogo de serviço. Nenhuma rosa digital, nem mesmo um flirt virtual pela Internet. Deixou a meio um livro sobre Barak Obama e a cidade não tinha cinema. Olhou para a baía e percebeu que não era feia a paisagem, mas não se emocionou com o crepúsculo. Nem mesmo ouviu, à primeira, o buzinão dos carros atrás de si. "O senhor anda a dormir ao volante ou quê, seu vegetal", gritou-lhe um taxista sem consciência deste mundo sem arroz…

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