sexta-feira, 14 de outubro de 2005

O rei e o poeta

Ao senhor Walter, em Fortaleza





O rei e o poeta



O que Petronius não suportava mesmo nada era a prerrogativa de Nero de condenar ou de absolver os romanos. Era excessivo, pensava o filósofo ao esboçar Satiricom, o melhor dos textos. Reduzir Nero a nada seria sua secreta obsessão e, pensando bem, legitima obsessão de qualquer intelectual face a certos aparatos. Nessa linha de pensamento, o adágio de Chinua Achebe: o poeta que não tem problemas com o rei, terá problemas com a sua poesia. Lá estás tu, ó minha sombra, a dizer-me que não somos romanos! Enquanto, de lés a lés, percorremos a estrada, sei já do que não queria. Era ter problemas com a minha poesia…



Luzes na ribalta



Acaba de ganhar o Grande Prémio Cidade Velha, o académico Gabriel Fernandes. Estou eufórico. A mesma euforia sentida aquando Ludgero Correia ganhou o Prémio Sonangol. Ou, quando há um ano, José Luís Tavares recebeu o Prémio Mário Cláudio, da Gulbenkian. Algo está a acontecer, enquanto o mundo é este paradoxo às voltas. Novos actores entram em cena e damos início a um novo acto. Estou mesmo eufórico. Novos paradigmas circulam no palco cultural cabo-verdiano, com causa e consequência. Os teus óculos não olham por essa perspectiva que eu sei. Viciosos esses óculos teus. Tão eufórico que estou. Luzes na ribalta. Música, maestro!



Noites grávidas de punhais



Pessoalmente achei de bonito gesto (já nem direi necessário) da verdade e da reconciliação. Todas as revoluções têm o seu residual de excesso e a nossa, por não ter sido à nossa medida, teve apenas travessuras acidentais. Havia que rever tudo, branquear o que for preciso, sublimar uma ou outra culpa e tocar o barco para a frente. O tempo é o grande moldador das vontades. E já faz algum tempo, diga-se de passagem. Isso lembra-me as amnistias depois das noites grávidas de punhais. Mas é preciso não inverter as coisas. É que, mau grado o vendilhão, a maioria quis e quer a Independência destas ilhas. As comemorações do 30º Aniversário são disso prova…



Ainda às escuras…



E, por falar nisso, está aí uma coisa que eu desconhecia: ninguém pode nada contra a Electra. Literalmente ninguém. Não me leves a mal, mas tu também, como eu, estás lébi-lébi. Isso nos ultrapassa. Assim, nesta impotência generalizada, que lembra ao sanatório geral, temos de esperar para ver o fim dessa história. Por estas e por outras que o falecido nunca acreditou nessa carochinha das privatizações…



À espera de Godot



Vi a tua lista e os magníficos nele alinhados. Uns, por mérito. Outros, por demérito. Direi mesmo, e sem papas na língua, por demagogia. Demonstrando em plena praça o teu mau gosto e o teu côvado afinal não sublimado. Senti pena, muita pena de ti, e estás perdoado por tudo. Pelo feito. E pelo não feito. Sem drama nenhum. Como escrevi numa crónica, não se deve fazer drama com a falta de sentido estético. O prezadíssimo Pranchinha morreu deveras e nada mais natural do que a morte. Morreu cá dentro, palavra. E não há grandes razões para os epitáfios. Nem para as caudalosas guisas. Ele apenas diria (se vivo estivesse) que é preciso partir como se chegou – sem alarde…

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