sexta-feira, 13 de agosto de 2004

A fé de O´Neill

A fé deO´Neill, a religiosidade e eis que surge o cherne

Hoje, acordei tomado de fé. Uma coisa que não se sustenta na pedra da realidade, mas que se agarra na nuvem a esfumar-se no céu. A fé é aquilo que nos faz seguir uma linha qualquer que vem do desconhecido e caminha também para o desconhecido. O arrastão dos versos de Alexandre O'Neill: "Sigamos o cherne, minha Amiga! / Desçamos ao fundo do desejo / Atrás de muito mais que a fantasia / E aceitemos, até, do cherne um beijo // Se não já com amor, com alegria..." Um povo que vive no meio do Atlântico não pode olhar para o céu senão com respeito místico. O imenso azul do mar e o firmamento a sugerir o infinito, refazem a sua crença no Além e a sua noção de imponderável. Talvez, por isso, as manifestações de fé – mais supersticiosas do que teológicas – impressionam um bocado. Na minha infância, ficara com a impressão de que a religiosidade era bipolarizada entre católicos (a maioria qualificada de então) e os protestantes (a minoria heróica, diria o Pranchinha). Falava-se também à boca pequena dos «rabelados» que, ao tempo, se acreditava «rebeldes» ao invés de «revelados», como se soube mais tarde. Os evangélicos e pentecostais, que hoje cresceram de molde disparado, prenunciavam-se apenas em conversas sussuradas. Mas importava, e importa, acordar tomado de fé. O dar de tudo para perder a racionalidade e poder ter um pouco de esperança. O rezar todas as noites – sem religião, mas com religiosidade - porque se quer acreditar no desconhecido. E, dizia, tomado de fé sigamos, pois o cherne, minha Amiga!

O MCA, a entrega da proposta e a inversão dos sujeitos

Tenho em mãos a proposta cabo-verdiana para os fundos do MCA. Li o documento de fio a pavio e, até onde pude entender (pelo que pressinto dos americanos), a proposta será aprovada. Sem ufanismo, mas com humildade, creio que os 118 milhões de dólares aplicados, nos próximos três anos, ajudariam a consolidar algumas conquistas sócio-económicas importantes. Está claro que Cabo Verde figura entre os melhores da África nos índices de progresso e civilidade (civilidade aqui entendida como os valores universais da democracia e dos direitos humanos). Mas isto, que já é muito, é apenas muito pouco, se a meta for realmente o desenvolvimento. Uma boa franja da população ainda vive muito abaixo dos padrões do bem-estar e da qualidade. E o comum é elogiar as virtudes da pobreza, ás vezes, de forma romântica, outras vezes, de teor masoquista. Toca a investir na capacidade produtiva e na riqueza, antes que seja demasiado tarde. Há que inverter os sujeitos e dar o grande salto. De mentalidade e de postura. Lendo o documento, já entregue para a apreciação e subsequente aprovação por parte do Governo americano, uma luzinha cintila no fundo do túnel. Importa, entretanto, um certo consenso. Importa, já agora, que os homens, parem de cambalhotas, pantominas e partes gagas, e abracem com causa os desafios do milénio. É que um bom diálogo é a coisa mais íntima que dois homens podem fazer juntos sem que cheguem ao homossexualismo, dizia o Pranchinha, a glosar Luís Fernando Veríssimo.

Mar e Luz, a crise de meia-idade e golpe de estado no Paraíso

Encontro o Mário Lúcio prestes a fazer 40 anos e passamos horas a falar da eterna idade e da meia-idade. Brilhante, eivado de talento e de caminho, Lúcio lança a sós – e nunca a só, diga-se – o seu primeiro projecto a solo. Chama-se Mar e Luz, um álbum que será apresentado ao público praiense a 10 de Setembro, no Farol Maria Pia. A interioridade e o sensacionismo são as marcas deste artista que faz o caminho a caminhar. Pressenti-o há um par de anos quando juntos ousamos a aventura do Fesquintal de Jazz. Provocar a Praia de Santa Maria, fechando a Av. Amílcar Cabral para a performance de Youssou Ndour, foi simplesmente «bárbaro». Igual, só o gospel com que fizemos levantar os espíritos no Forte de São Filipe na Cidade Velha. Pois, Lúcio faz quarenta anos e agarra com as mãos de artista a sua crise de meia-idade. Nada será igual a partir da eternidade. Haja fé…
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3 comentários:

Filinto Elisio disse...

Pablo Neruda, poeta universal e intemporal

POR JOSÉ LUIS DÍAZ GRANADOS— colaborador da Prensa Latina

HÁ exatamente um século, em 12 de julho de 1904, nasceu em Parral, Chile, Neftali Ricardo Reyes Basoalto, o futuro poeta que, aos 16 anos, adotou o pseudônimo de Pablo Neruda e cuja obra portentosa, rotunda, desigual e abrangente, modificaria para sempre a expressão lírica da língua espanhola..

peixe das profundezas, estranho cetáceo, brilhante da poesia do século 20, Neruda chegou à casa da poesia, derribou a porta e torceu o pescoço ao cisne do formalismo reinante, artificioso e acossador, desde que, em meio à adolescência, surgiu com um livro singular, Crepusculario (1923), ao qual seguiu o muito célebre Veinte poemas de amor y una canción desesperada (1924). Surpreendeu os sentidos dos leitores com ritmos incomuns, métricas inesperadas e fantasmas surpreendentes em sua fresca dicção.

Em seus quase 70 anos, Neruda escreveu 45 livros originais, nos quais aparecem inúmeros dados biliográficos e dos quais, por sua vez, surgiram novos cadernos e folhas volantes tanto em língua espanhola quanto noutras.

Por exemplo, seu volume Tercera residencia (1947) contém organismos independentes como o poema quevediano Las furias y las penas, o ciclo épico España en el corazón, os lendários Cantos a Stanligrado e o muito conhecido Canto para Bolívar.

O mesmo acontece com textos conhecidos nas várias seções do Canto general (1950), seu «opus magnum», que foram tornados públicos em forma de livros, antes da inclusão definitiva no grande volume, como é o caso de Alturas de Macchu Picchu, Que despierte el leñador, Canto general de Chile, América no invoco tu nombre en vano e, sobretudo, essa fascinante narração bibilográfica em verso intitulada El fugitivo, onde canta e conta as peripécias de sua personagem poética «Pablo Neruda» para evadir a perseguição do presidente González Videla até sua saída ao exílio.

Textos esenciais deste livro capital foram musicados por legiões de compositores na América e no mundo. A mais célebre é a versão do grego Mikis Theodorakis.

As pessoas singelas de Nossa América têm repetido versos de sua obra Veinte poemas de amor... durante várias gerações, bem como fizeram com Rimas de Bécquer ou Romancero gitano, de García Lorca. Os leitores e críticos mais exigentes ficam surpresos em cada nova leitura com a portentosa alucinação verbal de Residencia en la tierra, como acontece com a obra La tierra baldía de Eliot ou Anábasis, de Saint-John Perse.

E todos amam, recitam e cantam as estâncias de amor outonal de Los versos del capitán e Cien sonetos de amor, a alegria de viver em Odas elementales, Estravagario e La barcarola, bem como amamos e cantamos os mais belos poemas de Pavese, Kavafis, Pessoa, Eluard, Aragon ou Machado.

Em tempo de guerra e também no de paz, os corações combatentes abalam-se com a poesia de «amor armado» de Tercera residencia, Canto general, Canción de gesta (o primeiro livro poético escrito no mundo em homenagem à Revolução Cubana) ou de incitação ao nixonicidio e louvor da revolução chilena. É bom salientar que quando Che morreu em combate na Bolívia, guardava devotamente em sua mochila um exemplar de Canto general.

DIVERSO EM SUA UNIDADE

O bardo de Parral apresentou ao longo de sua vida o amis diverso leque de escolas, estruturas, temáticas e visão particular, como se fossem perto de vinte poetas dentro de um corpo chamado Pablo Neruda: o neo-romântico de Veinte poemas de amor, o surrealista de Tentativa del hombre infinito, o narrativo de El habitante y su esperanza, o erótico irreverente de El hondero entusiasta, o desolado e hermético de Residencias, o metafísico de Tres cantos materiales, o combatente de Canto a las madres de los milicianos muertos, o épico americano de La tierra se llama Juan, o viajante socialista de Las uvas y el viento, o cantor jubiloso de Oda al día feliz, o menino traquina de Estravagario, o antiimperialista de Canción de gesta, o litófago de Las piedras de Chile, o cronista teatral de Joaquín Murieta, o neoclássico de La barcarola, o artista culinário de Comiendo en Hungria, o pacifista de La espada encendida e o memorialista de Confieso que he vivido.

Para comemorar seu centenário, o Chile e o mundo vestiram de gala. São dedicadas à sua

memória as feiras do livro em cidades de três continentes. Sua obra poética tem sido reeditada em várias línguas, sua vida é recordada através de livros, revistas, filmes, programas de rádio e televisão, encenações de seus muitos poemas e representações teatrais, nomeadamente de El cartero, baseadas no romance do chileno Antonio Skármeta. Sua voz monocórdia, inconfundível imitação da monótona chuvisca de Temuco, repete-se dia e noite através de gravações fonográficas em diversos cenários da América Latina.

Inúmeros poemas seus estão sendo reproduzidos em cartazes enormes nas estações metroviárias de várias cidades do continente.

Talvez nenhum poeta em nenhuma língua ou geografia teve tamanha apoteose. Com certeza, neruda estará nos piscando o olho a todos em sinal de picardia, da transparência do céu ao qual subiu em 23 de setembro de 1973.

A ressonância desta homenagem universal por ocasião de seu centenário o atingirá lá, até «a outra beira do mar que não tem outra beira...»

JOSÉ LUIS DÍAZ GRANADOS é um escritor e jornalista colombiano

Filinto Elisio disse...

All-star lineup celebrates Newport’s 50th
From Hancock to Reeves, jazz fans soak in the music but not the rain
By Bill Beuttler, Globe Correspondent | August 16, 2004

NEWPORT, R.I. -- The 50th anniversary Newport Jazz Festival wrapped up without rain, good news to the 6,500 who braved the predicted aftereffects of Hurricane Charley and caught a day's worth of music they're not likely to forget

Plenty of them were still there, bundled up against the cold and the occasional stray droplet, when Herbie Hancock, Wayne Shorter, Dave Holland, and Brian Blade wrapped up their festival-ending set last night. Shorter squeezed off a few final notes on his soprano sax, the four men took their well-earned bow, and another George Wein-produced extravaganza -- now officially known as JVC Jazz Festival-Newport -- was history.

The Hancock-Shorter-Holland-Blade combo was meant to be among the highlights of the festival, as was the performance of Ornette Coleman's quartet immediately before it, and both sets lived up to their billing and then some. But there were other moments Saturday and yesterday that were equally as worth cherishing.

Among those was James Carter's special guest turn with the Lincoln Center Jazz Orchestra. Carter reprised Paul Gonsalve's famous tenor sax solo with Duke Ellington's orchestra at the 1956 Newport festival, earning himself a huge ovation from the audience before he'd even finished his extended solo, and more than making up for the absence of the orchestra's director, Wynton Marsalis, who had called in sick.

Art Blakey and Charles Mingus had each already been honored with main stage sets earlier in the day, and Bill Cosby had fooled around on drums while "conducting" an all-star group billed as The Cos' of Good Music.

But history was being made next door at the Dunkin' Donuts stage as well, and that's where Gunther Schuller and much of the jazz press were spending time. They were there to see Dave Douglas and Vacation Blues, with trombonist Roswell Rudd, play some of the most forward-looking music of the festival while looking backward, toward the music of Rudd's late friend and mentor Herbie Nichols.

Douglas and company were followed by alto sax great Lee Konitz, one of just two performers in this year's lineup to have played at the first Newport festival in 1954. The other, Percy Heath, came on right after Konitz for a sparkling set with his brothers Jimmy and Tootie. Konitz's group was billed as a trio, but he managed to get trumpeter Roy Hargrove to sit in with him for a few tunes hearkening back to Konitz's cool-school days with Miles Davis.

Saturday had been as sunny as yesterday was overcast, and the only worry for the 9,000 who showed up that day had been figuring out how to split up their time among the festival's three stages. Dave Brubeck and his quartet built a fine set toward the obligatory rendition of his signature piece, "Take Five," with particularly fine alto sax work by Bobby Militello. The power-lunged pipsqueak Jamie Cullum then followed Brubeck onto the main stage and thrilled the crowd with his energy and charm. Meanwhile, Ron Carter and his sometime trio of guitarist Russell Malone and pianist Mulgrew Miller were proving themselves the closest thing to chamber jazz we have remaining since the passing of three quarters of the Modern Jazz Quartet, a point that was emphasized as they closed out their set with John Lewis's "The Golden Striker."

Dianne Reeves is herself the closest thing we have to Ella Fitzgerald and Sarah Vaughan, and she proved it on the main stage with some terrific singing and scatting. Then Jon Faddis brought out his jazz orchestra and special guests James Moody and Clark Terry each did a bit of scatting themselves.

The Faddis set, a tribute to Benny Goodman, Charlie Parker, and Dizzy Gillespie, opened with Faddis doing his best high-pitched Diz imitation to start "Manteca." Clarinetist Ron Peplowski, alto saxophone greats Jackie MacLean and Phil Woods, bassist Carter, Moody, and Terry then each took turns as special guests, Terry concluding his by demonstrating why he's called "Mumbles" with a comic, one-sided dialogue in mime and gibberish, Faddis mugging away beside him as straight man.

A tribute to John Coltrane wrapped the day up Saturday, with Ravi Coltrane providing surrogate soprano sax and Michael Brecker conjuring up Trane on tenor. Those two and bassist Christian McBride laid out at one point so that their elders, drummers Roy Haynes and pianist McCoy Tyner, could each take a masterful solo turn.

Only one musician failed to make it onstage because of the weather. Kenny Drew, Jr., never was able to catch a flight to Newport from his home in Florida.

© Copyright 2004 Globe Newspaper Company

Filinto Elisio disse...

Caríssimos Internautas

Acabo de pedir ao board do www.visaonews.com a minha escusa como Editor. Mas, como bibliotecário, professor e jornalista, a esta idade crucial da minha vida, achei necessário dedicar mais tempo à cultura. Em verdade, sou dos que pensam ser a cultura o factor principal da competitividade cabo-verdiana. E dos que comungam do dístico de Arménio Vieira que reza ser «pela metrificação do discurso que se salva o pensamento». Por isso, crio um blog que doravante será Albratrozberdiano, podendo o internauta acessá-lo em www.albatrozberdiano.blogshot.com . Está, pois, aberto o espaço para a troca de ideias culturais – as mais diversas e inumeráveis – em prol de um movimento estético que se criar neste milénio.

Ainda que a blogosfera seja, cada vez mais, uma realidade no mundo cibernético (e não só), os blogs são uma modalidade de informação bastante recente na opinião pública do arquipélago global cabo-verdiano. Sabe-se que a blogsfera é um óptima escola em termos de escrita rápida e criativa, especialmente na análise, no comentário e na crónica, vertentes que se afirmam hoje na literatura moderna mundial. Os blogs levam o escritor a «enfrentar o feedback, a crítica, a correcção factual, a opinião alternativa». A propósito, para quem quiser publicar neste blog, nada mais fácil.
Para publicarem ou republicarem textos; para escreverem opinião; para contribuírem como especialistas em determinados temas; para manterem uma intervenção na discussão de assuntos públicos, a qualquer momento e segundo a vontade de cada um, utilizem à vontade este espaço cibernético.
São enormes as potencialidades que a blogosfera abre numa altura em que o imediatismo é, mais do que nunca, palavra de ordem. Visto ser este blog uma realidade em expansão, faz todo o sentido determinar alguns limites que nos sirvam de guia, razão deste pool através do meu email. A liberdade é boa, mas também tem os seus perigos. Enviem o texto para o meu endereço electrónico: filinto1992@yahoo.com que serei mais um provedor do leitor do que propriamente um editor.

Aquele abraço