terça-feira, 3 de outubro de 2006

A barca da fantasia



“Ao largo ainda arde a barca da fantasia/ e o meu sonho acaba tarde”
Pedro Ayres Magalhães


Intro

Duas notícias encorajadoras: a regionalização e o Tribunal Constitucional. A primeira, vou ponderá-la muito por alto. E a segunda, embora tenha uma posição sobre isso, é tarefa dos mais doutos. Só direi que já não era sem tempo a criação do TC. Temos sentido a sua falta…e de que maneira. Uma pequena nota sobre a pré estreia do filme “A ilha dos escravos”, do realizador Francisco Manso. Estamos em tempo de fazer do Cinema e do Audiovisual uma prioridade cultural…

Regionalização sim…vamos a ela

Cabo Verde, com a sua teia de ilhas e de comunidades no exterior, exigiria um modelo político-administrativo diferente. Raros os cabo-verdianos satisfeitos com o actual modelo. Nem a norte, nem a sul, nem a Barlavento, nem a Sotavento. E muito menos na Diáspora. Embora defendamos a economia de custos, saudamos a criação das redes e a irradiação dos pólos, fazendo jus à insularidade e, dentro do possível, à diasporização. O conceito Estado-nação, concentrador e polarizador, tende à macrocefalia, o que não é bem uma virtude. Naturalmente que haverá sempre pólos de maior desenvolvimento e de maior dinamismo, mercê das posições estratégicas das políticas, das economias, das demografias, dos espaços e das suas múltiplas conexões. Mas o Estado, necessário, mau grado o vaticínio sobre seu definhamento, terá o papel de harmonizar o país, permitindo a cada região as condições para se integrar no todo nacional. A regionalização é tema que nos interessa. Finalmente, a regionalização. A regionalização para sanar o regionalismo já instalado. Vamos a ela. Que regionalização nos interessaria? Aquela baseada nas ilhas, no grupo de ilhas, na municipalidade, na inter municipalidade? A reintegração das Grandes Áreas Metropolitanas, Comunidades Urbanas e Comunidades Intermunicipais? Voltaremos à ideia dos governadores civis, não eleitos, mas nomeados pelo establishment central? Ou à falácia das vocações, das hegemonias fabricadas ou dos lobbies posicionados? A problemática se resume ao problema da presença do Governo e dos serviços centrais nas ilhas ou o buraco é mais em baixo e mais alargado? Qual seria a mecânica mais plausível e realista? E as virtualidades culturais, para além da centralista e da municipalista? O assunto deve ficar confinado ao Governo e aos partidos políticos ou deve ser alargado à sociedade civil. Há países que fizeram amplo debate e consulta popular. Em Portugal (nosso recorrente modelo), fez-se até referendo. E entre nós, como seria? Uma decisão vertical ou horizontal, administrativa ou política, doada ou conquistada? Seria regionalização mesmo ou apenas descentralização? A territorialização das políticas públicas? Seria isso? O importante é que o mote está dado. Acredita-se que o povo das ilhas quer…a regionalização com equidade, com equilíbrio e com verdade. A cidadania, em sua total complexidade. Ou não?

Pequena nota

Não há como ficar indiferente à longa-metragem “A ilha dos escravos”, do realizador Francisco Manso, cuja pré estreia se pretende nos meses de Outubro e Novembro, tanto no Brasil como em Cabo Verde. O filme, produzido pela Cinemate, mas com o apoio das autoridades culturais de Cabo Verde, Brasil e Portugal, trata de uma história de amor acontecido na primeira metade do século XIX, na Ilha de Santiago, adaptando a história do romance “O Escravo”, de Evaristo de Almeida. Em tantas correlações, o filme acontece também no Brasil, em Portugal e na Áustria, onde a quadrilha amorosa entre a escrava Luísa que ama o escravo João, que ama a patroa Maria, que não ama o comerciante Albano Lopes, tem drama e respaldo. As minhas felicitações ao amigo Francisco Manso, também director de "O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo", adaptação do romance homónimo de Germano Almeida, e a alguns cabo-verdianos próximos que participaram da obra, nomeadamente Jorge Tolentino e Manuel Veiga (Ministros da Cultura, promotores/patrocinadores), António Correia e Silva (investigação histórica), Mário Lúcio (investigação e trilha musical) e Josina Freitas (actriz), entre muitos outros cuja a marca indelével está ali no filme. Caso para pensar se já não era tempo de priorizar o Cinema e o Audiovisual. Pelas vantagens culturais, económicas e políticas que traz. Para resgatarmos um sector que já esteve melhor do que está. E porque as condições já estão minimamente criadas para a cinematografia nacional. Só falta ousar a barca da fantasia…

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