segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

Não há praia para ninguém, madame

As boas e as más da Tapadinha

Há coisas que só acontecem aqui na Tapadinha. Umas boas, como a cachupa refogada ou o funaná lento. E outras horríveis, como o outdoor eleitoral antes da campanha ou, pior ainda, a covardia de o tirar. A jeito ou a eito, como diria o falecido no seu tratado “Oito ou Ointenta, as Dicas da Malandragem!”. Pelas coisas boas, vamos ficando nesta paragem e, nas entrelinhas, empunhando a bandeirola, mesmo que a dita pareça um pouco o logótipo daquela lata de banha da CEE. Pelas más, me perdoem as muito feias, mas beleza é fundamental, estaremos dispostos à lida contra a malvadeza e a carniça que envergonham a malta.

A Avenida enfarpelada

A Avenida, enfarpelada de luzes, prepara-se para a inauguração. Por uns instantes, somos já cosmopolitas. Por outros, continuamos provincianos. Cosmopolitas, quando pensamos a cidade de molde integrado e competitivo. Uma urbe disposta a ser um espaço equipado, com cidadãos qualificados. O binómio do desenvolvimento. E o resto, tretas. E provincianos, quando temos a sensação de trabalho acabado, obra fechada. Nivelando a cidade por baixo, comparando com outras da região ou, pior ainda, com o passado. O muito que já se fez, é pouco. O cidadão quer melhor aeroporto, porto, circular, avenida, rotunda, universidade, praça, mercado, parque, centro comercial, centro cultural, enfim, melhor tudo. Bem-estar e qualidade de vida, no mote dessa inauguração bonita. Ora, a cidade compara-se com o futuro. A saudade que se tem é do futuro…

Ao leitor atento

Mal abro a caixa-de-correio do Hotmail, dou de caras com uma mensagem indignada. Alguém que se assume apreciador do S/Cem Margens protesta contra a minha última crónica. Impõem-se-me uma resposta, noblesse oblige. Tive de explicar ao leitor que eu jamais seria pau-mandado. Se estou a apoiar este ou aquele é por pura convicção política. Melhor dizendo, convicção cultural. Acredito que este será capaz de ter sentido histórico e não se vender ao desbarato a um punhado de estrangeiros. E aquele tomará providências cautelares contra a máfia instalada na vizinhança. Pau-mandado é o apoiante acrítico que não destrinça aquele que governa daquele que se governa, porra. Agora, gostar mesmo, gosto da poesia e de coisas mais elegantes. Política não resiste à idealização. Arte, sim senhor. Paixão. Em matéria de coração, sou leviano assumido. Apaixono-me aos 44. Um caso sério…

O Plateau e o Monte Vermelho escavado

Dou uma volta pelo Plateau e tenho a impressão de que alguém anda a sabotar este lugar. Desconfio que seja ódio social, coisa parecida. Vingança histórica. Ou simplesmente incompetência. Nossa, naturalmente. De todos nós. Que não temos nem força, nem resistência, para dizer basta. Cidadania também seria afirmar o Plateau. Protegê-lo e fomentá-lo a ser o lugar de referência e memória de uma cidade, menina do mar. Só que o Plateau não é um problema só dos nascidos e residentes, dos munícipes direi, da Praia, mas uma questão que interpela a todos os cabo-verdianos. Desde a segunda metade do século XVIII que este espaço urbano é matricial da cabo-verdianidade. Não reconhecer isso é inibir a nossa memória e votar o nosso passado ao esquecimento. Não reconfigurar esta trajectória, que tudo alberga de identitária, significará uma perda colectiva com consequências imprevisíveis. O Falecido, que Deus o tenha, do alto do seu exagero, vaticinava a premonição da merda generalizada. Já não será só a falta de água e da energia eléctrica, dizia. Mas os esgotos vão encanar e o Monte Vermelho, escavado como está, cairá por terra. E os extractores de areia, além de matarem as tartarugas e de salgarem os lençóis freáticos, acabarão com as praias. Dentro de pouco tempo, já não há praia para ninguém, madame. O caos…

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